Mulheres com Asas

Bons Voos.

Tag: experiência (Página 1 de 2)

DE VOLTA AO CASTELO ENCANTADO

Era uma vez uma menina. Ela não era uma princesa. Ela era uma menina comum. Esta menina carregava dentro de si todos os sonhos do mundo. Nestes sonhos, a menina habitava um lindo castelo, rodeado de verdejantes jardins com fontes de águas puras e cristalinas, onde, ao longe, podia-se ouvir o som dos violinos. Passarinhos de todas as cores vinham visitá-la logo cedo em sua janela, convidando-a a correr por entre os bosques fartos e a dançar junto às borboletas azuis. A menina, então, todas as manhãs, levantava-se de sua cama cor-de-rosa, atravessava seu enorme quarto cor-de-rosa e abria as longas cortinas também cor-de-rosa para dar “bom dia” a cada um de seus pequeninos amigos. A família da menina era muito doce, meiga e generosa, mas, mesmo assim, a menina sentia-se muito só. E sentia-se assim não porque a família a negligenciasse, mas sim porque, por mais que se esforçassem, os membros desta família não conseguiam acessar e entender os sonhos desta menina. E por causa disto, então, ela aprendeu, desde muito cedo, que seus sonhos eram só seus e que eles eram capazes de fazê-la muito feliz.

A menina cresceu. Sem que percebesse o tempo passar, muitos dos seus sonhos se realizaram. É claro que ela jamais morou em um castelo. Neste ponto, portanto, nunca deixou de ser aquela menina comum. Em contrapartida, realizou outras tantas coisas, que, como num passe de mágica, quando caiu em si já havia se feito inteira como mulher.

Preencheu sua vida com tarefas, atividades, deveres e ocupações. E nem tudo foi ruim. A par de uma agenda cheia, houve também um tanto de prazer. Fizeram parte desta trajetória casamento, filho, viagens, hobbies, amigos, conquistas materiais, realizações profissionais e reconhecimento. Tudo aconteceu como tinha de acontecer.

Foi então quando, do nada, nestes estalos que simplesmente vêm à mente, a menina percebeu que não era mais uma princesa, mas, sim, que agora havia se transformado em uma mulher e que se achava coroada como a rainha de si mesma, forte, independente e realizada. Neste momento, ficou com um pouco de medo de si. Sentiu temor por tudo quanto a força e o poder podem representar porque eles são capazes de afastar as pessoas daqueles primeiros sonhos da infância, fechando definitivamente os portões daquele castelo.

Esta sensação não foi nada confortável para aquela menina, hoje mulher. Sem maiores explicações, ela passou a lembrar-se dos tempos em que era apenas uma criança e que tinha em si todos os sonhos do mundo. Agora, tudo parecia tão realizado, perfeito e concreto, e, paradoxalmente, tão distante daquele estado de desejo que somente as meninas sonhadoras sabem conhecer.

E, num piscar de olhos, olhos agora marejados, tudo o que a menina ora desejava era estar lá atrás de novo, em seu castelo encantado, esperando a hora de correr com as borboletas azuis.

A vida é engraçada. Busca-se muito e quando se alcança, a gente tem a sensação de que o desejar e que o sonhar são sentimentos mais reais do que o conseguir.

A menina viu-se prisioneira de si e do ciclo da vida, pois bem sabia que não podia caminhar para trás. E, além disso, ela teve de admitir que sequer se lembrava onde havia guardado a chave dos portões do castelo.

Foi um grande e desgastante trabalho desvencilhar-se desta armadilha. Sabia que não podia jogar tudo para o alto para viver um delírio infantil. Por outro lado, era frustrante saber que não mais podia experimentar aquelas sensações das frescas manhãs.

A menina recusou-se a permanecer naquele cativeiro. Haveria de existir uma saída para esse complicado dilema. Foi quando ela, então, decidiu escarafunchar todas as gavetas da sua existência até encontrar seu tesouro precioso. Ela sabia que se descobrisse algo que houvesse deixado para trás poderia ainda retornar a aquele castelo com a chave certa capaz de abrir seu coração. Repassou em sua mente tudo o que desejou e sonhou ao longo de sua jornada. E lembrou-se, então, que algo havia sido abandonado. Foi um sonho interrompido. Por circunstâncias da vida e antes que a cortina se fechasse, a menina deixara de dançar nas pontas de seus pés, em vestidos de tule cor-de-rosa e coroas prateadas.

Ela havia encontrado o segredo. O mistério para sua felicidade finalmente estava desvendado. Com a coragem necessária, ela poderia obter a chave daqueles portões. Preparou-se então para o grande dia em que poderia novamente calçar as suas sapatilhas de cetim. Chorou de dor e de emoção quando as luzes do palco se acenderam e depois se apagaram. O tempo havia passado mas era como se o próprio tempo não existisse. A tristeza foi-se embora. O medo acabou. Os pássaros cantaram. Os jardins floriram. As janelas e os portões finalmente se abriram. E a música, antes ouvida à distância, agora estava dentro dela para sempre e nunca mais pararia de tocar.

E a menina, então, jurou a si mesma que, enquanto vivesse, seria fiel à sua verdade e à sua essência. Jurou que cumpriria todos os seus sonhos. Jurou que nunca mais abandonaria a si. Jurou que sempre voltaria ao castelo. Jurou que desafiaria o tempo e que renasceria na própria eternidade.

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Crédito da Foto: Pinterest

 

 

 

 

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O CARROSSEL

Às vezes a vida parece um faz-de-conta enfeitado e colorido. Você vai à bilheteria, compra seu ticket e, deslumbrada, dirige-se ao carrossel. Já de longe você escuta a música, as risadas e um pouco do barulho enferrujado da máquina. Mas quem se importa? É ali mesmo que você decide embarcar. Os cavalinhos são lindos, galopam em perfeita harmonia, e sobem e descem com a precisão da dança da natureza. Há uma longa fila até chegar a sua vez. Mas vale a pena esperar. O dia está frio, mas não chove. Ao contrário, faz um enorme sol amarelo que ilumina aquele brinquedo tal qual um holofote. Além disso, há milhares de luzinhas piscantes em cada um dos mastros. O dossel é dourado e grandioso. O maquinista usa um quepe azul. E agora é a hora da sua diversão. Quem se incomoda com a idade? Há pessoas de todos os tipos esperando a sua vez de brincar. E então você pensa: “por que não?”. E sobe num cavalinho amarelo.
O motor é acionado e você começa a girar, girar… As crianças gritam de alegria e algumas delas carregam um algodão doce cor de rosa na mão. É claro que o brinquedo é lindo. De repente você se inunda com a sensação de fantasia que não sentia desde os oito anos de idade. Na sua frente, talvez passe um filme inteiro da sua vida, mostrando tudo aquilo que aconteceu desde então. Quem já não se sentiu assim?
As lembranças são um sopro de alegria e nos reposicionam ante a realidade. Somos capazes de lembrar das tristezas, mas, miraculosamente, voltamo-nos mesmo para uma sensação de felicidade. A gente começa a pensar naquela época em que parecia não haver problemas e que a parte mais difícil da vida era fazer a lição de casa.
Mas não é assim. Já naqueles tempos, havia dificuldades. E muitas, se você considerar a pouca experiência que você tinha. Não acho que mudou tanto assim. As adversidades vão se alterando na medida do seu crescimento e, de uma certa forma, tudo vai mesmo se tornando mais fácil.
Mas há uma diferença. Hoje não há mais como viver o faz-de-conta. E a vida não é um parque de diversões.
Por alguns minutos, pode parecer inebriante girar nas costas daqueles cavalinhos de madeira, estáticos e inanimados. Mas nossa existência clama mesmo pelo realismo, pelo dinamismo e pela capacidade de realizar. E isto não é necessariamente ruim. Para nosso próprio bem, é bom que saibamos a que viemos e o que nos define neste mundo. Cada uma de nós é tão diferente e complexa, que reduzir os nossos dias ao giro de um carrossel certamente não satisfaz a alma. Ninguém sabe ao certo o que é a alma. Poetas de toda a parte do mundo procuraram defini-la, mas na verdade cada uma de nós tem um conceito muito próprio. Talvez esse conceito não seja racional, mas sensorial. Mas a certeza de saber o que você deve fazer e o reconhecimento daquilo que faz sentido são capazes de satisfazê-la. Você não vê sua própria alma, mas sabe quando ela sorri em sua completude.
No filme da vida, a gente se pergunta o que fez até então. E de repente a alma começa a despertar, satisfeita, quando você assume a consciência de que deu o melhor de si em cada momento. Neste instante, a alma brilha porque sua vida não foi um giro inútil, contemplativo, passivo, mecânico e repetitivo.
O carrossel agora parou e é hora de retornar à realidade. Os medos são sempre tão relevantes. De tudo que a gente sente, parece que o medo é o sentimento que tem maior poder sobre nós. Às vezes preferimos mesmo nos entregar aos rodopios seguros, aos passeios previsíveis, aos percursos conhecidos. E nessas horas a alma chora porque sabe que podemos muito mais do que isso e que viver como um mero passageiro não nos levará a lugar nenhum.
Temos pés, mãos e asas. Podemos fazer muito mais do que simplesmente nos agarrarmos às hastes que cravam aqueles cavalinhos. Não somos pégasos, é verdade. E também não somos aves, não temos asas literais. Mas podemos ir aonde queremos. E não falo sobre atravessar os céus e os oceanos, porque muitas vezes isso é mesmo difícil. Falo, isso sim, de transformar a sua alma em um espaço onde caiba o mundo inteiro e onde não haja limites para a vontade de realizar.
É quase noite e o parque já está fechando. Vamos embora. Em casa pensamos melhor sobre isso. De toda forma, lembre-se: nunca será tarde para decidir como fazer a sua alma se iluminar e brilhar faiscante no meio do jardim.  Como um imponente carrossel.

(Texto originariamente publicado em 03/07/15. Foto: Darya).

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O CRISTAL DESPEDAÇADO

Quando eu era ainda muito pequena, alguém me ensinou o que era um prisma e como ele funcionava. Era um prisma rudimentar, é certo. Mas bastava eu colocar aquele pedaço de vidro sob o sol para ganhar o presente mais lindo da minha vida: uma refinada explosão de cores refletindo por todos os lados. Era como mágica. Era como trazer o arco-íris para dentro de casa, a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana. Quem disse que eu precisava esperar a conjunção sol-chuva para ser muito feliz?

Naquela mesma época eu ganhei um caleidoscópio de presente. E minha vida, que já era boa, agora me parecia completa. A festa de tons, de imagens e de brilhos fazia com que cada nova manhã valesse muito a pena. Meu maravilhoso brinquedo proporcionava o ápice da beleza logo ali, ao alcance dos meus olhos e das minhas mãos. O tempo parecia parar. O silêncio ecoava por toda parte. Todas as histórias do mundo se reduziam a um cenário encantado de belas imagens e de paz.

Até que um dia tudo mudou. Não me lembro bem como foi, mas, devido a uma queda, meu adorado cristal se partiu. Aquele pedaço de vidro que outrora me trouxera tamanha felicidade havia agora se transformado em milhares de cacos inúteis. E o resultado disso foi que eu nunca mais pude ter o meu próprio arco-íris. De repente, o mundo havia se transformado em um filme em preto e branco. Agora tudo o que me restava era esperar a rara garoa nos dias ensolarados. Ou o improvável sol amarelo nos dias de tempestades. A felicidade já não dependia de mim. Nunca mais eu senti que ela estivesse sob meu controle e sob as minhas mãos.

Desafortunadamente, o caleidoscópio desapareceu na mesma época. Não sei se ele se perdeu, ou foi furtado, ou foi parar no fundo de um baú qualquer. O fato é que nunca mais o vi. E nunca mais desfrutei, também, daquela maravilhosa orquestra silenciosa de formas harmônicas se movimentando ao rodopio do artefato. Que fase triste. A vida, por que razão seja, tirou de mim, em curto espaço de tempo, meus mais valiosos tesouros. Aqueles cristais encantados foram-se para sempre.

Uns anos depois, quando eu já era mocinha, ganhei um lindo pingente de cristal com areia colorida e logo tratei de atá-lo ao pescoço. É evidente que sua função era outra e que o adorno não me traria  de volta aquele mundo encantado de outrora. Mas ele tinha seu valor. Por alguns anos, minha gota de vidro funcionou como um verdadeiro talismã. E, nos momentos tristes, ela me alegrou porque eu podia me lembrar do cristal da minha infância. Esse berloque também sumiu do nada. Tenho a suspeita que o cordão simplesmente se rompeu. E, mais uma vez, precisei dizer adeus.

Quando adulta, continuei buscando recursos para alegrar o meu mundo. O problema é que, depois de algum tempo, eles simplesmente se esvaíam como fumaça, como se nunca tivessem estado ali.

São mistérios da vida. Desde sempre, presenciei desaparecimentos inexplicáveis e acabei compreendendo que a felicidade não tem vocação para permanecer. Fui surpreendida inúmeras vezes por circunstâncias mais do que improváveis. Estive às voltas com fatos incompreensíveis e com pessoas imprevisíveis. E na singeleza do meu querer, nunca entendi muito bem porque era tão difícil manter o que me encantava, o que era belo, o que me fazia feliz.

Um vidro, quando se parte, é capaz de cortar a carne. E senti essas dores muitas e muitas vezes, dentro e fora de mim. Não é figura de linguagem. É dor verdadeira, física, que pode até ser o resultado da somatização. Mas arde e queima de verdade, como faca encravada no coração.

O cristal é puro. E talvez nunca deixe de ser. Mas pode se despedaçar. E quando isso acontece o seu mundo colorido simplesmente vai embora e deixa para trás a ponta da navalha latejando no peito. A felicidade se esconde e sobra a missão da cura, do entendimento e da compreensão.

Eu não sei se vai ser sempre assim. Mas aprendi a varrer os cacos e a colocar o curativo. Dói por um tempo mas depois vai virando cicatriz. E durante esse período eu simplesmente repouso, mergulho no mundo dos sonhos e busco lá na infância as imagens perdidas do meu mundo mágico. Lembro do que foi a primeira felicidade e de como ela escapou de mim. Às vezes escorre uma lágrima, não de dó, de tristeza, ou de autopiedade. Desce uma lágrima de saudade de tempos longínquos que não podem voltar. Tempos em que um mero raio de sol era capaz de iluminar toda uma existência. Tempos em que a dança das cores não precisava de melodia para poder me encantar. Tempos em que o arco-íris morava em casa e brilhava forte dentro de mim. Tempos em que o cristal não parecia tão frágil e nem prestes a se quebrar. Tempos em que ainda não era necessário juntar os pedaços de nada, porque tudo parecia inteiro, perfeito, eterno.

(texto originariamente publicado em 20/05/14. Foto: Emily Soto)

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AS LINHAS DA VIDA

Uma vida pode ter várias formas, formatos, cursos, vetores, sentidos. E, por isso mesmo,  é engraçado que a gente sempre imagine o caminho da vida como uma linha horizontal traçada da esquerda para a direita. Não sei se é convenção nossa ou imagem de caráter universal e inconsciente o fato de que, para nós, a linha da existência seja representada desta maneira. Esta orientação é própria da nossa forma de escrever, o que me faz suspeitar que a lógica do nosso pensamento acompanhe esse mesmo desenho.

Em uma pesquisa superficial no Google, você logo descobre que diferentes escritas são grafadas em diferentes sentidos e direções. Os alfabetos primitivos, por exemplo, podiam ser escritos vertical ou horizontalmente, e, ainda, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, de cima para baixo e de baixo para cima. Já na língua árabe, convencionou-se escrever da direita para a esquerda. Por fim, no idioma chinês e no japonês, a convenção é escrever-se de cima para baixo e da direita para a esquerda da página. Fiquei pensando, assim, se, graficamente, a representação dos fatos da vida para estas outras culturas acompanha a mesma orientação dos escritos de seus respectivos povos. Não sei dizer.

O fato é que se a gente se apega a esta forma usual, erra feio na representação. Explico. Quero crer que a maioria das pessoas, na infância, estudou a linha do tempo, que começava com a pré-história e terminava com a menção de um fato atual. Critério meramente cronológico. Mais nada. Porque por sobre aquela linha apenas fatos e datas eram representados, desprezando-se toda sorte de incríveis interações, ciclos, retrocessos e saltos no desenvolvimento da civilização. Convenhamos que esta é uma maneira muito rudimentar de explicar a história da humanidade. Da singeleza daquelas informações não é possível compreender-se a complexidade do mundo. Quando muito, a gente aprende a pontuar os eventos em marcos temporais específicos.

De igual maneira, se você vir a sua vida como um simples traçado horizontal pontilhado de datas e fatos, não estará representante com fidelidade o curso da sua existência.

É claro que, do ponto de vista exterior, há ocorrências relevantes a serem anotadas na linha. Quanto a nós, porém, naquilo que diz respeito à nossa mais pura essência, é impossível fazer-se qualquer datação: em raríssimas oportunidades uma pessoa consegue apontar dia, mês e hora para situar uma mudança na alma.

Somos seres tão complexos que nossa metamorfose acontece sem que nos apercebamos. No dia-a-dia da nossa existência apenas vamos vivendo até que um dia a gente percebe que, não se sabe como, algo simplesmente mudou. A gente pode observar que andou muito em pouquíssimo tempo, ou que não andou nada, ou que andou para trás, numa dinâmica aparentemente irracional que desafia o relógio convencional. Às vezes você percebe que está no passado. Ou no futuro. Ou pode estar se movimentando para dentro de si na busca de algo que se perdeu, ou que você jamais teve, mas deseja ardentemente encontrar.

Nossas verdadeiras linhas, assim, não podem ser tidas por retas ou cartesianas. Nosso andar espiritual e mental pode ser sinuoso, senoidal, espiralado, cíclico, ascendente, descendente, reverso. E na verdade a gente não tem muito controle sobre isso. A estrada da vida simplesmente vai se abrindo sozinha, sem sinal ou aviso. É como se uma força impalpável te guiasse pela mão por uma trilha desconhecida e não escolhida. É comum a gente não entender porque a maré puxou para um lado, ou para o outro, ou porque há um verdadeiro cabo de guerra entre o desejo e a realidade.

Eu acho que não importa a sua fé para você entender que estas ocorrências fazem parte do imponderável. Sabemos que devemos fazer a nossa parte, mas esta ação não esgota a equação. Os pontos cegos, o inesperado, o chamado acaso e as coincidências servem, mais do que tudo, para nos desmentir. E provam com maestria que somos poeira no universo. E que apenas oscilamos entre nossos esforços e uma simples lufada de vento. E que nem sempre debater-se nos leva à direção que desejamos.

Acreditar ou não em destino fica a seu exclusivo critério. Mas não há que negar que a precariedade do homem assemelha-se a uma pluma branca que balança em função da intensidade da brisa. Para uma ave ferida é cansativo demais tentar alçar voo. Para uma pessoa minimamente consciente é muito desgastante encarar sua vida como uma complicada operação matemática. Para uma alma doente, querer a qualquer custo pode significar o fim de uma existência.

O tempo passa. As linhas se confundem. Os nós se desfazem. Muito do esforço é em vão. Muito da previsão é bobagem. Sua vida, não importa como ela seja, sempre faz algum sentido. Se não hoje, talvez no dia de amanhã. Ou quando, finalmente, você se dispuser a flutuar.

(Texto originariamente publicado em 25/02/14. Foto: Favim).

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POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

Desde adolescente, eu já me interessava por Ernest Hemingway, escritor norte-americano que, aos sessenta e um anos de idade, ceifou a própria vida com um tiro de fuzil. E tanto é assim que, quando pude, visitei sua casa em Key West (EUA) e, anos depois, em Havana (Cuba), onde atualmente funciona um museu.

A morte sempre foi uma constante em sua vida e em sua obra. Seu pai também se suicidou. Nunca se saberá se este tipo de influência é genética, psicológica ou comportamental. De toda forma, não custa mencionar que, certa vez, a mãe do escritor, a dona de casa e professora Grace, enviou-lhe pelo correio a pistola com a qual seu pai dera cabo à sua vida. Também nunca se saberá o que ela quis dizer com isto.

Do ponto de vista de quem vai, não há nada a dizer. Quem de nós poderá afirmar, com toda certeza, o que existe além da fronteira da vida-morte? Quem poderá demonstrar que há paz, ou tormenta, ou apenas um sono profundo e eterno? Quem poderá explicar se há consciência ou não? Ou castigo, ou inferno ou céu? Ou se tirar a própria vida é pecado ou é alívio, ou não é uma coisa e nem outra? Eu não tenho nenhuma resposta para estas perguntas e, sinceramente, também não tenho nenhuma crença precisa a respeito deste específico assunto.

Muito diferente, entretanto, é observar a morte do lado de cá, da perspectiva de quem sobrevive. Sim, digo “sobrevive” porque o despedir da vida nem sempre segue uma ordem previamente determinada. Não existe uma fila com senhas e às vezes a gente tem a impressão de que o critério é meramente aleatório. Aliás, estar vivo nos dias de hoje é quase como jogar com a roleta russa. E digo isso mesmo que você nunca tenha empunhado uma arma. Afinal, se der o azar de você estar em um determinado local e em um determinado momento, poderá acontecer de ser a sua vez, sem qualquer aviso ou preparação. Simples assim. Coisas inexplicáveis que talvez nem a fé consiga justificar.

Não quero falar sobre a dor de perder um ente querido. Este tipo de sentimento vai além do inexprimível e qualquer tentativa de expressá-lo certamente será insuficiente e imprecisa. Por isso, retrocedo alguns passos para falar da morte com distanciamento, sem nenhum envolvimento afetivo e emocional. Faço apenas breve reflexão sobre este fato inexorável da vida.

Uma das principais obras de Hemingway é o famoso romance de 1940 “Por quem os Sinos Dobram” (em inglês: “For Whom the Bell Tolls”), que narra a história de Robert Jordan, um jovem norte-americano das Brigadas Internacionais, o qual, como conhecedor de explosivos, recebeu a missão de mandar para os ares uma determinada ponte, por ocasião de um ataque simultâneo à cidade de Segóvia.

O livro é interessantíssimo, mas menos pela narrativa em si própria do que pela abordagem. O escritor, com maestria, trata soberbamente da condição humana e de sua precariedade. De acordo com relatos, a inspiração veio da obra “Poems on Several Occasions”, do pastor e escritor inglês do século XVI John Donne, o qual, ao criticar os absurdos da guerra, dizia: “quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade”.

Em tempos de tragédias e de mortes coletivas, compreendemos bem a assertiva, principalmente quando o desaparecimento foge à razão e à razoabilidade. Fatos assim nos tocam mais fundo porque nos colocam em contato com o imponderável, com o inimaginável, com o inadmissível e, acima de tudo, com nossos medos, nossos temores e nossos receios.

A comoção não se dá apenas pelos que se foram, mas também pelos que ficaram ou por aqueles que poderiam ter ido, sem um pingo de nexo lógico palatável.

Daí o choro, a indignação, o luto e a prece prolongada. Em tempos assim, questiona-se a razão de existir e de deixar de existir, de fazer e de deixar de fazer, de viver e de deixar de viver. Apenas um ser humano bastante desconectado de si mesmo não se deixará apanhar por um turbilhão de ideias, de sentimentos e de dores, que culminam na consciente conclusão acerca da impotência do homem em face de muitas questões.

A vida é um sopro, disse certa vez Niemeyer, falecido aos 104 anos de idade. Tenha ou não sido sarcástico, a frase não deixa de ser verdadeira.

Pois quando o vento apaga a chama, não há mais nada a fazer. Apenas acende-se a vela. E reza-se. E, não com muita dificuldade, compreende-se na inteireza a resposta ao título desta postagem, nas palavras do próprio Donne, repetidas séculos depois por Ernest Hemingway: “Nunca procure saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”.

(Texto originariamente publicado em 05/02/13. Foto: Sola Rey).

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O QUE EU APRENDI ESSE ANO

O ano não acabou, é verdade. Mas faltam poucos dias. Se não para o fim do mundo, certamente para o final do ano propriamente dito. E é hora de começar a fazer o balanço dos meses, das semanas, dos dias, das horas, dos minutos, dos segundos.

Aprendi muito em cada uma destas frações existenciais do tempo.

A passagem dos meses me mostrou que o fortalecimento pode ser razoavelmente estável. Que nem sempre precisamos ter recaídas de tristeza e de desesperança. Que é possível navegar em águas calmas até o outro lado do oceano.

O transcurso das semanas me ensinou que é viável, sim, planejar e organizar-se. E, acima de tudo, realizar projetos em relativamente curtos períodos de tempo, de forma segura e responsável.

O transcorrer dos dias revelou que em pouquíssimo tempo se constroem amizades e sonhos. Não é necessário muito tempo para estabelecer laços e vislumbrar a concretização de um ideal.

O tique-taque das horas evidenciou que num breve piscar de olhos coisas impensáveis podem acontecer e mudar. Não temos controle sobre quase nada em nossas vidas. E, paradoxalmente, podemos ter integral controle sobre os nossos pensamentos.

O pulso dos minutos contados me contou sobre a possibilidade de cantar a alegria em momentos efêmeros e significativos. Num piscar de olhos, decide-se, avança-se, constrói-se. O relógio não para nunca, nem o físico, nem o biológico, nem o mental, nem o espiritual. O amor não precisa de quase nada para se manifestar. E nem também qualquer outro sentimento. Apreender a vida, reter a emoção, respirar o instante e ouvir o coração são ações que não se condicionam a nada que não seja você mesmo.

E os segundos… Ah! os segundos… São miraculosos, mágicos e reticentes. Explodem dentro de nós como faísca. E ainda assim contêm toda a eternidade. Em um segundo, é possível compreender o significado daquilo que demoramos vidas inteiras para perceber com clareza.

Os segundos são a nossa existência na forma de sua potencialidade máxima.

A dor que dói agora é sempre a mais vigorosa. O amor que se sente agora é sempre o mais poderoso.

Porque é apenas no agora que a mudança se manifesta e que a alma se transforma. O antes e o depois têm pouquíssima importância, pois é sempre no agora que você se emociona, vibra, acredita, sente, suporta, chora, sorri, sofre, recomeça.

É neste exato segundo que você compreende o resultado do ontem, do anteontem e de qualquer  momento do seu passado. E é neste exato segundo que se forma o amanhã, o depois de amanhã e qualquer partícula de um futuro seu.

Você acabou de envelhecer um átimo. E tudo o mais agora já é lembrança, memória, nostalgia. Ou apenas uma visão enevoada e incerta do próximo amanhecer. Porque somos seres livres mas somos também prisioneiros do ciclo interminável de uma inevitável sequência de agoras.

(Texto originariamente publicado em 18/12/12. Foto: Welcome Qatar).

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OS NOSSOS PRIMEIROS DESENHOS

Não posso falar por todas as mulheres do mundo. Falo apenas por mim. A cada ano, quando meu aniversário se aproxima, sinto um certo desconforto, interior e exterior. Não. Na realidade, o desconforto exterior é na verdade interior: é uma certa insatisfação com a imagem que você vê no espelho.

Muito anos se passaram desde que você fez o seu primeiro desenho com lápis de cor. E se você se lembrar direitinho, vai ver que aqueles primeiros rabiscos já eram uma espécie de projeto de vida.

Do quanto me recordo, meus primeiros rascunhos em menina eram casinhas com chaminés fumegantes e cerquinhas brancas repletas de flores. Sempre havia também uma lagoa com alguns patinhos amarelos. Vivi neste cenário um bom par de anos, até que a imagem mudou. Um pouco maior, meus desenhos agora eram estradas cujas bordas convergiam no infinito. Nunca tive uma veia artística muito acurada, mas relembrando aquelas imagens, constato que a perspectiva que eu imprimia era bastante realista: as árvores que ficavam à margem da rodovia iam diminuindo de tamanho em direção ao horizonte. Por fim, um pouco mais mocinha, passei a desenhar ilhas com coqueiros, circundadas de um lindo mar ondulado e com a presença soberana de um enorme sol com raios fulgurantes.

Depois que eu cresci, abandonei esta minha arte. Afundei-me nos livros, em atividades esportivas de mil espécies e nas sapatilhas de ballet. Eu já não tinha tempo para me dedicar a aqueles antigos projetos.

Quando finalmente me tornei adulta, percebi que minha vida não se parecia em nada com aquilo que eu havia idealizado. O casamento desfeito me conferiu a certeza definitiva de que eu jamais iria morar naquela casinha cor de rosa de cuja chaminé saía a fumaça de deliciosos bolinhos de chocolate.

Morar em uma ilha deserta no meio do oceano também estava fora de questão. Meu habitat, agora, era uma cidade cinzenta, poluída e cheia de gente. E, quanto à minha estradinha, também nunca foi muito fácil encontrá-la: meu dia-a-dia passou a ser a correria, os compromissos, o trânsito e a falta de tempo.

Pensando em termos pragmáticos, pode-se concluir que eu não era lá muito feliz. Mas, para ser justa comigo mesma, infeliz eu também nunca fui. Apenas me deixei guiar pelo curso da vida e sempre afirmei a mim mesma que minha vida não tinha sido nem melhor e nem pior do quanto imaginado: apenas diferente.

Um dia, porém, tudo mudou. Não foi um estalo,  um milagre ou uma visão. Foi apenas uma mudança. Tudo mudou como tem de mudar quando você está em processo de amadurecimento. Por acaso uma semente se parece com uma fruta madura?

Do nada, veio a percepção. A felicidade não é algo estático, idealizado e imutável. Tal como ocorreu em nossa infância, nossos desenhos também  continuaram se modificando vida afora. Sendo assim, não há razão para frustrar-se com a não realização daqueles primeiros sonhos. Contabilize quantos projetos e planos você pôs em prática desde então.

Na verdade, tal qual aquele barquinho no mar azul, em nossas vidas fizemos inúmeras correções de velas e lemes que, felizmente, nos conduziram até este ponto.

De igual maneira, a perspectiva da estrada também continua existindo. Será que desde aquela época já não pensávamos, inconscientemente, que aquela era a via da nossa  própria existência?

E a casinha, ah, a casinha. É claro que ela existe dentro de nós, pois é lá que guardamos todos os nossos tesouros mais preciosos.

Pode parecer uma bobagem, mas foi uma descoberta e tanto. Porque se os desenhos não eram mais os mesmos, também não eram lá tão diferentes. A matéria-prima pode ter mudado, assim como as cores dos papéis e das canetas. Isto é fato inexorável.

Mas é também inquestionável que é a mesma mão que ainda segura os pincéis e os lápis de cor. Porque no fundo, embora tenhamos de nos submeter ao implacável passar do tempo, sabemos que somos as donas de  nossos cadernos e de nossas representações. A quem eu, humildemente, poderia chamaria de sonhos.

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(Texto originariamente publicado em 27/11/12. Foto: Emily Soto).

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A LEVEZA E O PESO DO SER

Existem duas coisas que eu tenho o prazer de nunca haver possuído: televisão no quarto e balança no banheiro. Nem mesmo na década de oitenta, quando todos os jovens enlouqueciam para ter uma televisão só sua e um vídeo-cassete de última geração, senti vontade de ter uma só para mim. Meu irmão, não. Sempre adepto da tecnologia, logo conseguiu com meus pais uma televisão somente para ele e um protótipo do que viria a ser hoje um rudimentar computador de uso pessoal. Mas minha opção não tem nada a ver com a falta de uma veia consumista. Ao contrário, sou tão seletiva que cada ambiente da casa tem, para mim, que ostentar apenas sua específica função. Quarto é só para dormir. Por isso mesmo ele se chama dormitório. E a televisão merece uma sala só para ela. Esta é a dinâmica da minha casa. E então, quando vou para os meus aposentos íntimos todas as noites, não levo comigo as lágrimas dos filmes, as risadas das comédias e a violência dos noticiários. Tudo fica lá fora e, assim, consigo ter noites muito mais leves e tranquilas, sem o peso das emoções exteriores.

Já a questão da balança é muito diferente. Nunca concebi que eu pudesse manter um instrumento dentro de casa capaz de me subjugar. Não consigo me imaginar aferindo meu peso corporal uma ou duas vezes ao dia apenas para me torturar. Porque, verdade seja dita, você não precisa da balança para saber a quantas anda a sua condição. Para isso, basta uma calça jeans, que, indubitavelmente, possui a necessária precisão científica capaz de aferir o acréscimo de um único grama.

Fala-se muito em leveza da alma e em leveza do corpo. Mas não são eles parâmetros absolutos para medir o grau da sua felicidade. Principalmente se não andarem juntos. Porque de nada adianta a leveza do corpo se a sua alma é pesada e carrega consigo toneladas de mágoa e de rancores. E também de nada vale a leveza da alma se o seu corpo acumular resíduos tóxicos de alimentos, bebidas, cigarros, medicamentos ou qualquer outra droga, lícita ou não. De igual maneira, você será incapaz de voar.

Mas para tudo na vida, exceto para a morte (a morte pertence à vida?), há uma solução, que é o lento caminhar. Ele funciona sempre, para as questões do corpo e para as questões da alma. Funciona para o corpo porque, paulatinamente, põe em ritmo o seu metabolismo e acelera a sua queima calórica. Qualquer mulher sabe disso. E funciona para a alma porque somente com a perseverança e com o passar do tempo é possível livrar-se de certos pesos inúteis, como a culpa, o ódio, a baixa auto-estima e a falta de perdão.

Como em qualquer dieta, os resultados imediatos não são definitivos. Para a efetividade do processo de leveza, é preciso muita paciência e compaixão consigo própria. Nem para o corpo e nem para alma é bom você se castigar para atingir os seus objetivos. É necessário, antes de mais nada, compreender os processos. Sem a compreensão, não haverá aproveitamento positivo. Então é bom que você se informe e que se cerque de um ambiente propício. Estude a si mesma e conclua o que precisa ser mudado. Selecione melhor suas compras e evite entupir seu carrinho com deliciosas guloseimas. Selecione melhor seus amigos e evite trazer para casa os tentadores seres predatórios da sua vitalidade e da sua auto-confiança. Aproprie-se apenas daquilo que é bom, que eleva, que produz. Descarte o que é negativo, o que arrasta, o que prende e o que condena.

E siga caminhando. Quando se cansar, volte aos seus aposentos sagrados e deixe lá fora todas as dificuldades. Estique seus lençóis mais bonitos, afofe seu travesseiro, feche a cortina e feche seus olhos. Nada ali vai te perturbar. E quando o sol da nova manhã raiar horas depois, abra a janela e abra o seu coração. Olhe-se no espelho e tente ver se alguma coisa mudou. Faça isto antes da maquiagem, quando ainda não há nada entre a gente e a gente mesma. Se algo mudou, parabéns. E se nada ainda parece ter mudado, apenas caminhe lentamente mais este dia. É assim mesmo. Demora um pouco para ver a germinação da semente.

(Texto originariamente publicado em 23/09/12). Foto: Favim).

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COMPREENDENDO OS CICLOS

Mulheres com asas são fortes, mas caem. São persistentes, mas desanimam. São audaciosas, mas desistem. E são assim porque são mulheres e porque seu ritmo é ondulatório. As mulheres são criticadas por serem instáveis, mas reduzir o que acontece com elas a este mero estigma não parece justo. Há muito mais por trás da psique de uma mulher.

Para começar, a mulher é um ser sensível e, por isso mesmo, parece natural que oscile em razão dos acontecimentos exteriores e interiores. Além disso, as questões hormonais não se inserem no campo do psicológico ou do imaginário. Esta espécie de alteração é capturável por instrumentos científicos. Por fim, é da natureza da mulher caminhar em ondas ou ciclos, por mais determinada que ela seja.

Uma mulher é facilmente capaz de dar dois passos para a frente e um para trás pra chegar aonde precisa. Não se trata de indecisão. Muitas vezes, as mulheres precisam apenas recuperar o fôlego, examinar melhor o terreno em que caminham ou se prepararem para um passo mais ousado. Isto não é um defeito, é uma característica. Aliás, eu diria que se trata de um atributo positivo, pois revela preocupação, cautela, e consciência, inclusive dos próprios limites.

Mesmo a mais arrojada das mulheres sabe, instintivamente, até onde pode ir. E quando ultrapassa a linha do aceitável, põe-se em contato consigo mesma para retroceder e retomar seu auto-controle e sua auto-estima. Quando uma mulher não consegue fazer isso, provavelmente está doente e precisando de muita, muita ajuda.

As mulheres são seres que analisam, investigam, conferem, verificam, checam e inspecionam. E não são assim por pura maldade, curiosidade ou por defeito de caráter. São assim porque precisam conhecer o solo em que pisam e necessitam se certificar da adequação do terreno em que estão trilhando. O preço disso é que muitas vezes são mal compreendidas e julgadas.

Mas isso não tem a menor importância. Um julgamento não muda uma essência. E a essência da mulher é perscrutar o ambiente até que nele se sinta bem. As coisas são como são. E é assim com a mulher.

Às vezes, quando nada parece funcionar, é preciso ajustar as velas e mudar de direção. E às vezes é preciso recuar. Ou para ir embora de vez, ou para ganhar impulso e poder atravessar a fronteira. De todo modo, quando a mulher parece estar retrocedendo, na verdade ela está recuperando as suas energias para empreender uma mudança.

Quando a mulher cai, pode se sentir muito só e infeliz. Mas em muitos casos só mesmo seu afastamento pode ser sua salvação. Quem aprende a viver sozinho suporta melhor as dificuldades. Mas em muitas situações, o movimento de marcha-à-ré inclui a coletivização dos seus sentimentos. Não há quem duvide que a terapia entre amigas é o mais eficaz remédio que existe.

As mulheres devem compreender e aceitar os seus ciclos como parte da sua existência. Sentir-se desvitalizada ou desanimada é um efeito colateral da premência de uma mudança.

As aves migratórias vêm sendo estudadas e não há uma constatação unânime para a razão deste comportamento. O que se sabe é que algumas espécies voam milhares de quilômetros somente para encontrar melhores condições meteorológicas e alimento. Os estudiosos ainda procuram novas explicações, mas me parece que estas duas causas já justificam o esforço.

Quando uma mulher estiver insatisfeita com o seu ganha-pão ou com seu habitat, pode ser hora de partir. Observando os fenômenos naturais, constata-se que, em poucos casos, imitar a natureza não será sábio. Sendo assim, quando não estiver se sentindo bem, estude e questione as suas causas. E a  partir de suas conclusões, você poderá então decidir entre dedicar-se a seu ninho ou bater asas rumo a um novo horizonte.

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Texto originariamente publicado em 16/09/12. Foto: Roksolana Zasiadko.

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A CANÇÃO QUE VEM DE DENTRO

Nos momentos de tristeza, gosto de ouvir uma boa música, de preferência que me emocione ainda mais. A música, para mim, acalma, eleva, tranquiliza. Pode parecer que uma música melódica acentue um senso de nostalgia. Mas não é bem assim. Os sons das boas músicas são mágicos e possuem chaves capazes de abrir portas e janelas. E, se às vezes não podem abri-las, são capazes de atravessar as suas paredes.

A música é um elemento atemporal. Cruza oceanos, eras, idades, sentimentos. Não morre nunca e sempre é  transmitida. Já era assim séculos e séculos antes da globalização.

As mentes e os corações gravam tons, melodias, harmonias e ritmos e sempre os reconhecem. Não se sabe ao certo onde as memórias musicais ficam guardadas, mas, se uma música possui significância, possui também o poder de escancarar comportas secretas sem pedir licença ou desculpas.

Os sons vêm e as memórias simplesmente se despertam. Memórias do que vivemos, do que não vivemos, do que poderíamos ter vivido, do que nunca viveríamos, do que nunca viveremos.

Não conheço meio de transporte mais eficaz que a música. Mas não sei dizer se é você quem a leva no coração ou se é ela quem te conduz.

Nunca tive tino musical. Além de algumas poucas aulas de flauta doce e de acordes desajeitados no violão, nunca produzi som melódico algum. Mas não tem problema porque, em lugar deste dom, fui contemplada com a possibilidade de bem escutar o que a música tem a me dizer.

Os sons em si são palavras com significado. Uma música instrumental pode revelar uma vida inteira e os mistérios de toda uma existência. E os intervalos entre as notas são tão belos quanto os sons  que se coordenam por um maestro. Quem consegue caminhar sem o necessário espaço entre um passo e outro nas trilhas dos nossos caminhos? Há quem diga que a música é o silêncio interrompido pelas notas. Não cheguei a uma conclusão e este é, para mim, o maior segredo que as partituras guardam caladas.

Como muitas coisas da vida, a música em si mesma é um mistério que não se compreende: apenas se aprecia. A boa música que toca ali fora toca também seu coração de forma a interferir no seu ritmo existencial. É a reverberação da arte desnudando a sensibilidade de quem escuta.

Não menospreze a música, nem na alegria, nem na tristeza, nem na saúde, nem na doença. Não desconfie do seu poder curativo, emocional, energético.

Suspeito que os músicos sejam magos. Talvez porque eu não os entenda. Mas você não precisa mesmo entendê-los para respeitá-los. Os músicos em si próprios são instrumentos de emoções. Eles compõem com sua sensibilidade e, com esta, tocam o seu ser.

Quando eu gosto de uma música, posso ouvi-la um milhão de vezes. E, quando chego a este ponto, algo dentro de mim começa a despertar. Pode ser a compreensão de um fato, pode ser a resolução de problema, pode ser o perdão de uma pessoa, pode ser a saudade de outra. E aquilo que brota em mim finalmente desabrocha, agora em forma de prece.

A música não precisa ser sacra para tornar uma pessoa mais sábia ou, pelo menos, mais consciente de si. Porque a boa música pode ser de qualquer gênero ou estilo. E ela será boa na exata medida da sua  capacidade de transformação.

E nem vou falar dos sons da natureza, que são sagrados em sua essência. Falo mesmo das canções dos homens, das mulheres, das crianças, dos povos, dos fortes, dos fracos, dos gigantes e dos pequeninos. Porque toda boa música que existe desdobra-se na paz. E toda a paz que se cria enseja um cântico de louvor. E todo louvor que se reconhece encerra gratidão. Pela mera dádiva de ouvir e de viver

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Texto originariamente publicado em 25/08/12. Foto: Dalton Lane

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