Mulheres com Asas

Bons Voos.

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FEITO PLUMA

Tenho caminhado com certa dificuldade. Não falo sobre dificuldade mecânica, de locomoção, porque minhas pernas seguem fortes e vigorosas apesar de um insistente desconforto na panturrilha esquerda, para o qual houve até mesmo a indicação de um procedimento cirúrgico. Desde sempre minhas pernas têm sido o melhor do meu corpo, ainda que eu já tenha me submetido a cirurgias nos dois joelhos, a primeira aos dezenove anos e a segunda lá pelos trinta e sete. Mas, mesmo assim, elas nunca me deixaram na mão. Minhas pernas sempre me permitiram fazer o que eu bem entendesse. Com minhas pernas eu danço, corro, nado, mergulho, monto, faço trilhas e dirijo para qualquer lugar, sem receios ou incômodos. Não posso reclamar.

A caminhada difícil tem sido bem outra. É aquela caminhada da vida, aquela que nos obriga a seguir, mesmo quando você tem vontade de apenas parar e desistir. Em parte, os dias parecem longos e intermináveis. Há uma infindável lista de tarefas a cumprir, de problemas a resolver, de demandas a solucionar. Por outro lado, os dias voam ligeiros como aves de rapina. São rápidos, ágeis e rasantes. São eficientes em capturar as suas presas. Os dias consomem o tempo, a força, o ânimo, a juventude, o vigor. São predadores da nossa própria existência.

À noite, na hora de fechar a janela, eu sempre olho para o céu. Fico procurando por alguma estrela, que raramente vejo, porque as estrelas gostam mesmo é de se esconder por detrás das nuvens. As estrelas aqui na minha cidade são tímidas e fugidias. Dificilmente aparecem para lembrar o quanto o céu é infinito e o quanto elas podem ser lindas apesar de estarem tão distantes de nós. Então eu junto as cortinas e tento me alegrar com o fato de que em poucas horas o sol volta a brilhar.

Falar em brilho do sol nesse contexto é um pouco como figura de linguagem porque a maioria dos dias têm sido bastante cinzentos. Mas não tem problema. Acordar de manhã é sempre estimulante pois a gente, a cada dia, acredita que tudo por ser muito diferente. Mas sejamos honestos. Às vezes os dias podem mesmo ser incríveis, mas, no mais das vezes, os dias são apenas repetições do que foi ontem e ensaios para o que será amanhã. E por isso mesmo a caminhada da vida pode parecer assim, tão tediosa ou extenuante.

Fico pensando que a gente deveria ser feito pluma. Deveria não ter de se preocupar com nada e apenas se deixar levar. Imagine como seria belo sentir a leveza do corpo e da alma, esquecer a força da gravidade que nos afunda, e apenas deixar-se levar. Seria um mundo fluido, volátil, etéreo, incorpóreo. Mas é muito difícil conseguir flutuar. Quando as janelas do quarto se abrem a cada nova manhã, precisamos do peso do controle, da densidade da ação e da materialidade dos impulsos.

Nem mesmo uma ave plumada vive bem sem o dinamismo das suas asas. Ela pode flanar um pouquinho em sua inércia, mas depois de um tempo precisa retomar o ritmo compassado para continuar a equilibrar-se. Tampouco as aves escapam do realismo corpóreo deste universo.

Então ser como pluma é algo que você carrega somente nos seus sonhos, naquelas horas em que você apenas fecha os olhos e imagina a sensação de desapego, de desprendimento, de leveza. São aqueles instantes mágicos, mas fugidios, em que você acredita piamente que é capaz de flutuar. São momentos fugazes que não duram mais do que um piscar de olhos na velocidade das asas de um beija-flor.

Então você se lembra que é necessário fazer as asas vibrarem para manter-se vivo e não cair. Se observar bem, vai se recordar que também no céu é preciso estar atento para desviar dos picos das montanhas, para evitar os precipícios e para fugir das tempestades. A condição de inação não condiz com o mundo real.

Ser como a pluma é para quem já desistiu. Para quem se abandonou. Para quem deixou para trás a si mesmo. É difícil, eu sei. Em mesma sinto essa dor dentro de mim, porque às vezes tudo o que eu queria era entregar-me imóvel a uma rajada de vento. Mas é preciso acordar as suas asas a cada manhã e insistir com elas que devem permanecer em movimento. É preciso treinar-se. Liberdade não é exatamente deixar-se levar. Liberdade é algo muito mais complicado. É ter a certeza de que é preciso esforçar-se para permanecer vivo, mas, ainda assim, amar esse esforço porque ele é sempre um desafio. Liberdade é devotar-se à vida e saber que, em parte, ela própria depende de você. Isso faz de você dono e senhor de si. E esse é o maior dom e poder que um ser alado pode experimentar: ter consciência de suas próprias asas e saber como as pode dominar.

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(extraído de Google imagens)

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A FLECHA NO CORAÇÃO

“Quando uma estrela fica sem combustível, ela começa a esfriar e a gravidade assume o controle, provocando sua contração. Esta contração aperta os átomos, aproximando-os, e faz a estrela tornar-se novamente mais quente”. Esta afirmação de cunho científico está na página 82 do livro “Uma Nova História do Tempo”, de Stephen Hawking e Leonard Mlodinow. Pela terceira vez recomeço o livro desde o seu prefácio para tentar entender as coisas misteriosas e complexas desta casca de noz. E confesso que, em parte, meus esforços têm se mostrado em vão.
É muito interessante pensar que você se acha razoavelmente inteligente até descobrir que a força da gravidade altera o tempo, em sua essência. Certo. Você pode repetir mil vezes que tudo é relativo e que, se viajar mais rápido que a luz, poderá percorrer o tempo para trás. Ou pode também oferecer-se para pessoalmente testar o paradoxo dos gêmeos numa nave espacial com o bônus, ainda, de voltar mais jovem para a face da Terra. Ou, então, pode solenemente proclamar que tudo é infinito, que o universo não é tridimensional e que o início de tudo decorreu de uma simples explosão.
Muitas destas assertivas eu tenho reproduzido desde sempre. E desde sempre também tenho me perguntado sobre a correção das minhas conclusões. Além disso, parte do que digo sequer faz sentido para mim, o que me põe a duvidar da própria pertinência dos meus questionamentos.
Sinto-me um pouco frustrada porque minha mente não alcança o exato sentido das coisas, nem mesmo após a vagarosa leitura de texto didático por inúmeras vezes. Pode ser também que eu não tenha aptidão para o pensamento abstrato, pois, a despeito das minhas inúmeras tentativas, acabo sempre voltando a aquelas questões primárias que formulei na minha infância, em pouco ou nenhum progresso nas minhas respostas. E ecoa em minha mente: O que havia antes? O que haverá depois? Existe algo que possa ser espacialmente ilimitado? O que é o nada? O que é o eterno? Como vim parar aqui?
Em algum momento da minha vida li que se eu fosse capaz de entender alguns destes mistérios eu poderia ser muito mais feliz. É possível. Certamente a apreensão exata de dilemas bastante complexos tornaria muito mais intuitiva a compreensão dos fatos singelos e cotidianos, sob a acepção de suas razões e de seus por quês.
Alguém então poderia dizer que o entendimento da vida está muito mais inserido nas questões afetas à fé do que nas questões relativas à ciência. Meu pragmatismo, entretanto, insiste em buscar as imediatas e razoáveis explicações racionais para os eventos mais insignificantes da vida.
É do meu feitio, como se diria. Mas, por outro lado, este mesmo pragmatismo me empurra para frente, como que dizendo que não há tempo para abrir o livro pela terceira vez. E eu sigo esta voz. Acabo me impelindo para a frente sem parar para analisar muito do que ocorre em minha vida. Perde-se um pouco, é verdade. Mas ganha-se em tempo e otimização, o que parece lá ter suas vantagens.
Uma antiga lenda fala de um índio que recebeu uma flechada envenenada em seu coração. Indignado, quis saber quem tinha disparado a flecha, a razão para o ataque, o tamanho do arco, a distância do inimigo, a composição do veneno, e outros detalhes que somente os animais da mata poderiam esclarecer. O curandeiro, então, sugeriu que ele primeiro retirasse a flecha do seu peito para, somente depois, continuar com suas reflexões. De fato, a teimosia e a pressa por conhecer todas as respostas certamente o deixariam morrer.
E assim ficamos presas no dilema entre o perguntar ou o prosseguir, em um ciclo que não conduz a um resultado prático satisfatório.
Às vezes simplesmente andamos. Em outras ocasiões, voltamos a aquelas questões antigas e que são paralisantes. Ou então apenas emperramos, tentando entender o significado de algum específico episódio ou as razões pelas quais as coisas são como são.
Falta sabedoria. De minha parte, eu deveria ser prática como o curandeiro sugeriu e arrancar de vez a flecha envenenada do meu coração.
Ocorre que eu consigo entender as inquietações do índio. Como andar pela floresta sem conhecer o inimigo e de ter a certeza de quantos são? Como preparar-se para a defesa sem saber as razões para o ataque? Como municiar-se adequadamente sem inteirar-se do poder de fogo do guerreiro adversário?
As perguntas são pertinentes, por evidente. O problema é que talvez nunca se chegue às respostas corretas, se é que elas existem. Considere, por exemplo, a possibilidade de a flechada ter sido fruto de um mero acidente. Neste caso, não existiriam inimigos e nem confrontos futuros. O índio teria se desgastado inutilmente em tentar encontrar as explicações, que, a rigor, não passam mesmo de suposições.
Então é melhor andar. Porque quando a gente simplesmente para, o combustível vital se esvai, a vida se esfria, as contingências tomam o comando e o corpo se contrai. É assim também com as estrelas, como aprendi e transcrevi no início deste texto, em trecho que, para minha felicidade, compreendi em sua plenitude.
Nas situações extremas, você chega ao seu limite e é necessária significativa pressão decorrente da contração para que você possa se reaquecer. O processo é penoso. O sofrimento é intenso. O esforço é desmedido. E a perda de parte da vitalidade é irrecuperável.
Estou convencida de que a estagnação, ainda que temporária, é sempre prejudicial.
Melhor que se retire logo a flecha do peito para que se inicie a recuperação. É uma questão de prioridade cuidar primeiro do que é essencial, palpável e conhecido. O resto é o resto. Você poderá entender posteriormente, caso exista mesmo algum sentido. Na pior das hipóteses, você tem a eternidade.
E aprenda o que é a resiliência dos corpos, a magnífica capacidade de voltar ao estado anterior após acentuada deformação.
No mais, siga em frente, sempre. Há uma imensa estrada logo ali. E também não há que se enxergar desde logo qual é o ponto de chegada. Ao contrário, basta que se consiga iluminar apenas alguns poucos metros à frente para entender qual é o melhor caminho a seguir.
(Texto originariamente publicado em 04/02/15. Foto: Favim).
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AS LINHAS DA VIDA

Uma vida pode ter várias formas, formatos, cursos, vetores, sentidos. E, por isso mesmo,  é engraçado que a gente sempre imagine o caminho da vida como uma linha horizontal traçada da esquerda para a direita. Não sei se é convenção nossa ou imagem de caráter universal e inconsciente o fato de que, para nós, a linha da existência seja representada desta maneira. Esta orientação é própria da nossa forma de escrever, o que me faz suspeitar que a lógica do nosso pensamento acompanhe esse mesmo desenho.

Em uma pesquisa superficial no Google, você logo descobre que diferentes escritas são grafadas em diferentes sentidos e direções. Os alfabetos primitivos, por exemplo, podiam ser escritos vertical ou horizontalmente, e, ainda, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, de cima para baixo e de baixo para cima. Já na língua árabe, convencionou-se escrever da direita para a esquerda. Por fim, no idioma chinês e no japonês, a convenção é escrever-se de cima para baixo e da direita para a esquerda da página. Fiquei pensando, assim, se, graficamente, a representação dos fatos da vida para estas outras culturas acompanha a mesma orientação dos escritos de seus respectivos povos. Não sei dizer.

O fato é que se a gente se apega a esta forma usual, erra feio na representação. Explico. Quero crer que a maioria das pessoas, na infância, estudou a linha do tempo, que começava com a pré-história e terminava com a menção de um fato atual. Critério meramente cronológico. Mais nada. Porque por sobre aquela linha apenas fatos e datas eram representados, desprezando-se toda sorte de incríveis interações, ciclos, retrocessos e saltos no desenvolvimento da civilização. Convenhamos que esta é uma maneira muito rudimentar de explicar a história da humanidade. Da singeleza daquelas informações não é possível compreender-se a complexidade do mundo. Quando muito, a gente aprende a pontuar os eventos em marcos temporais específicos.

De igual maneira, se você vir a sua vida como um simples traçado horizontal pontilhado de datas e fatos, não estará representante com fidelidade o curso da sua existência.

É claro que, do ponto de vista exterior, há ocorrências relevantes a serem anotadas na linha. Quanto a nós, porém, naquilo que diz respeito à nossa mais pura essência, é impossível fazer-se qualquer datação: em raríssimas oportunidades uma pessoa consegue apontar dia, mês e hora para situar uma mudança na alma.

Somos seres tão complexos que nossa metamorfose acontece sem que nos apercebamos. No dia-a-dia da nossa existência apenas vamos vivendo até que um dia a gente percebe que, não se sabe como, algo simplesmente mudou. A gente pode observar que andou muito em pouquíssimo tempo, ou que não andou nada, ou que andou para trás, numa dinâmica aparentemente irracional que desafia o relógio convencional. Às vezes você percebe que está no passado. Ou no futuro. Ou pode estar se movimentando para dentro de si na busca de algo que se perdeu, ou que você jamais teve, mas deseja ardentemente encontrar.

Nossas verdadeiras linhas, assim, não podem ser tidas por retas ou cartesianas. Nosso andar espiritual e mental pode ser sinuoso, senoidal, espiralado, cíclico, ascendente, descendente, reverso. E na verdade a gente não tem muito controle sobre isso. A estrada da vida simplesmente vai se abrindo sozinha, sem sinal ou aviso. É como se uma força impalpável te guiasse pela mão por uma trilha desconhecida e não escolhida. É comum a gente não entender porque a maré puxou para um lado, ou para o outro, ou porque há um verdadeiro cabo de guerra entre o desejo e a realidade.

Eu acho que não importa a sua fé para você entender que estas ocorrências fazem parte do imponderável. Sabemos que devemos fazer a nossa parte, mas esta ação não esgota a equação. Os pontos cegos, o inesperado, o chamado acaso e as coincidências servem, mais do que tudo, para nos desmentir. E provam com maestria que somos poeira no universo. E que apenas oscilamos entre nossos esforços e uma simples lufada de vento. E que nem sempre debater-se nos leva à direção que desejamos.

Acreditar ou não em destino fica a seu exclusivo critério. Mas não há que negar que a precariedade do homem assemelha-se a uma pluma branca que balança em função da intensidade da brisa. Para uma ave ferida é cansativo demais tentar alçar voo. Para uma pessoa minimamente consciente é muito desgastante encarar sua vida como uma complicada operação matemática. Para uma alma doente, querer a qualquer custo pode significar o fim de uma existência.

O tempo passa. As linhas se confundem. Os nós se desfazem. Muito do esforço é em vão. Muito da previsão é bobagem. Sua vida, não importa como ela seja, sempre faz algum sentido. Se não hoje, talvez no dia de amanhã. Ou quando, finalmente, você se dispuser a flutuar.

(Texto originariamente publicado em 25/02/14. Foto: Favim).

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O PRINCÍPIO DOS VASOS NÃO COMUNICANTES

Houve uma época da minha vida em que tudo desmoronou. Incrivelmente, nada parecia funcionar e, olhando para um lado e para o outro, eu não conseguia enxergar nenhuma saída. A única coisa que eu sentia era uma pressão muito forte no meu peito. Meu corpo, para aliviar esta tensão, extravasava todo esse sentimento e toda essa dor na forma de lágrimas. Muitas e muitas lágrimas. Eu devo ter chorado por pelo menos umas quatro semanas ininterruptas. Minha única trégua era o trabalho. Nunca fiz questão de parecer forte aos outros, mas, magicamente, não chorei naquele ambiente.

Era necessário fazer alguma coisa. Mentira. Quem disse que nesse estado de coisas você consegue empreender uma avaliação crítica e elaborar uma estratégia? Eu não pensava em nada, em absolutamente nada. Até que em um certo dia me veio a imagem de um naufrágio. Não me lembro se foi um filme a que assisti, um sonho perturbador ou se foi a minha fértil imaginação. Mas a cena que se formou na minha mente era muito clara.

Eu sempre gostei de água. Quando criança, eu era um verdadeiro peixe. Então, naquele cenário, eu podia me ver muito serena agarrada a um pedaço de madeira em forma de tábua. O mar estava calmo e cálido. Não havia desconforto. Do meu lado direito, o navio afundava e eu não conseguia nem ver e nem ouvir qualquer pessoa. Eu estava literalmente sozinha no meio do oceano. As marolinhas batiam em mim e fiquei feliz por avistar uma ilha não muito longe dali. Era óbvio que eu poderia nadar até lá e esperar por socorro. Comecei a observar melhor a água e percebi que havia objetos flutuando. Muitos deles. Vi algumas latas fechadas de alimentos, garrafinhas de água e também muitas outras coisas inúteis ou imprestáveis. E nesse momento operou-se o milagre do salvamento e da salvação. Eu aprendi a recomeçar. Como eu precisaria nadar até a ilha, tive de escolher muito bem os objetos a serem recolhidos. Sem desespero, examinei um a um, avaliando o que poderia ser útil e o que poderia ser deixado para trás. Não foi difícil levar as coisas selecionadas com o auxílio da minha prancha. E poucos dias após permanecer sozinha na ilha, fui finalmente resgatada em perfeitas condições, físicas e mentais.

Este episódio mudou minha vida. Dele eu tirei a quase totalidade do pouco que sei. Foi com razão e com calma que eu me recuperei. Lembrei-de de novo da minha infância, precisamente da época da escola em que aprendi a fazer gráficos de barras. E desenhei um lindo gráfico na minha cabeça. Cada barrinha representava um setor da minha vida: saúde, filho, família, trabalho, vida social, vida afetiva e outras áreas significativas. E, desde então, todos os dias da minha vida, faço a avaliação do estado de cada um destes segmentos e dedico-me a melhorar a barra que apresenta o menor desempenho. Este método é eficaz e funciona muito bem porque uma barra nunca interfere na outra. Um problema aqui não pode estragar o que está bom por lá. Por que você jogaria um punhado de terra num copo de água cristalina e potável? Não é justo com os outros, com a vida e principalmente com você. Criei este princípio para mim. Lembra-se do princípio de física dos vasos comunicantes? Pois então. A premissa aqui é que este princípio nunca seja aplicado, em nenhuma situação e sem qualquer exceção.

Cada um é um, é verdade. E eu não sou filósofa ou sabida o suficiente para afirmar que o que funciona para mim vai funcionar para todos.

De todo modo, faço um convite a esta experiência. Nas situações extremas, permaneça calma, racional e selecione o que serve e o que não serve. Em seguida, repasse mentalmente seu gráfico pessoal e faça uma avaliação sincera de cada setor. Por fim, dedique-se ao mais vulnerável e lembre-se de preservar as áreas satisfatórias.

Isso é ciência? Não, é puro empirismo. Posso prometer que funciona? Não, por evidente. Mas se não se comprova sua eficiência, também não se demonstra sua inutilidade porque a ausência da prova do acerto não significa, necessariamente, a incorrência em erro. E quanto a isso tenho a mais absoluta certeza. A propósito desta assertiva, posso afirmar que se trata de postulado universal.

(Texto originariamente publicado em 06/12/13. Foto: Maja Topcagic).

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O QUE EU APRENDI ESSE ANO

O ano não acabou, é verdade. Mas faltam poucos dias. Se não para o fim do mundo, certamente para o final do ano propriamente dito. E é hora de começar a fazer o balanço dos meses, das semanas, dos dias, das horas, dos minutos, dos segundos.

Aprendi muito em cada uma destas frações existenciais do tempo.

A passagem dos meses me mostrou que o fortalecimento pode ser razoavelmente estável. Que nem sempre precisamos ter recaídas de tristeza e de desesperança. Que é possível navegar em águas calmas até o outro lado do oceano.

O transcurso das semanas me ensinou que é viável, sim, planejar e organizar-se. E, acima de tudo, realizar projetos em relativamente curtos períodos de tempo, de forma segura e responsável.

O transcorrer dos dias revelou que em pouquíssimo tempo se constroem amizades e sonhos. Não é necessário muito tempo para estabelecer laços e vislumbrar a concretização de um ideal.

O tique-taque das horas evidenciou que num breve piscar de olhos coisas impensáveis podem acontecer e mudar. Não temos controle sobre quase nada em nossas vidas. E, paradoxalmente, podemos ter integral controle sobre os nossos pensamentos.

O pulso dos minutos contados me contou sobre a possibilidade de cantar a alegria em momentos efêmeros e significativos. Num piscar de olhos, decide-se, avança-se, constrói-se. O relógio não para nunca, nem o físico, nem o biológico, nem o mental, nem o espiritual. O amor não precisa de quase nada para se manifestar. E nem também qualquer outro sentimento. Apreender a vida, reter a emoção, respirar o instante e ouvir o coração são ações que não se condicionam a nada que não seja você mesmo.

E os segundos… Ah! os segundos… São miraculosos, mágicos e reticentes. Explodem dentro de nós como faísca. E ainda assim contêm toda a eternidade. Em um segundo, é possível compreender o significado daquilo que demoramos vidas inteiras para perceber com clareza.

Os segundos são a nossa existência na forma de sua potencialidade máxima.

A dor que dói agora é sempre a mais vigorosa. O amor que se sente agora é sempre o mais poderoso.

Porque é apenas no agora que a mudança se manifesta e que a alma se transforma. O antes e o depois têm pouquíssima importância, pois é sempre no agora que você se emociona, vibra, acredita, sente, suporta, chora, sorri, sofre, recomeça.

É neste exato segundo que você compreende o resultado do ontem, do anteontem e de qualquer  momento do seu passado. E é neste exato segundo que se forma o amanhã, o depois de amanhã e qualquer partícula de um futuro seu.

Você acabou de envelhecer um átimo. E tudo o mais agora já é lembrança, memória, nostalgia. Ou apenas uma visão enevoada e incerta do próximo amanhecer. Porque somos seres livres mas somos também prisioneiros do ciclo interminável de uma inevitável sequência de agoras.

(Texto originariamente publicado em 18/12/12. Foto: Welcome Qatar).

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A ONDA E A ALMA

Esta história é verdadeira e aconteceu muitos e muitos anos atrás. Começou num inocente café numa terça-feira qualquer de um longínquo mês de abril. Ainda era cedo, antes das dez horas da manhã, quando minha alma mergulhou no oceano azul do par de olhos mais belos e sinceros que eu conhecera em minha vida. Eu nunca havia sentido tal imensidão. Uma onda me invadiu e me arrebatou. E durante os três anos seguintes eu tive certeza de que aquela onda se chamava amor.

Não, não é isso que você está pensando. É muito mais. Esse amor era cristalino como a água e profundo como o mar. Era assustador e cálido, forte e suave. Suas ondulações eram capazes de me transportar para lugares nunca antes visitados e de me elevar acima da linha do horizonte.

Na maré cheia, ele era vigoroso, produtivo, potente. Na maré vazante, ele era triste, dilacerante, fugidio.

Mas ele sempre esteve ali, nunca me abandonou. Havia adversidades, dificuldades, impossibilidades. Mas amor assim é leal, persistente, eterno. Não morre jamais.

Neste tipo de amor, o corpo pode ser casto porque é a alma que se desnuda. Ele acontece quando você pode ser você mesma e quando sua mente e seu coração simplesmente sabem e compreendem.

O dono dos olhos azuis costumava dizer que amava a minha forma de ser e de pensar. E é fácil entender o por quê. Nós conversávamos sem falar, nos amávamos sem tocar e sonhávamos sem dormir.

Este amor era uma tela branca à frente de um artista. Ali era possível projetar todos os nossos desejos e planos, dos possíveis aos imaginários. A escolha das tintas, das cores, dos pincéis e das paisagens era somente nossa, o que fez deste amor a obra-prima dos seus criadores.

Este amor era cheio de sons, de risos, de cordas e de gaitas escocesas. Músicas que ecoarão por toda a eternidade.

É certo que houve desencontros, erros e lágrimas. Como sempre acontece. Mas isso não tem a menor importância, porque o que hoje se recorda são a paixão, as certezas e as emoções incomparáveis.

Dizem que a parte mais erótica das pessoas é a sua alma. Faz sentido. O verdadeiro valor de uma pessoa está na capacidade de ser vivo, inteiro e autêntico. E nada pode ser mais atraente do que isso. Sherazade, de acordo com os manuscritos das Mil e Uma Noites, em um fragmento do século IX, livrou-se da morte e salvou sua alma pela habilidade de contar histórias, noite após noite. Mesmo aprisionada, ela não se entregou ao rei e ele a libertou.

Muitos anos se passaram. Muitas experiências vieram. Mais de uma vez, os oceanos foram cruzados, para o leste e para o oeste, e nunca mais o vi. Mas sei que ele está bem e é isso o que me importa.

As ondas da vida podem, muitas vezes, te carregar de um lado para o outro. Faz parte da nossa existência terrena, essa sim, frágil e fugaz.

Mas o amor, ah, o amor! Essa espécie de amor não morre simplesmente. Pode transformar-se, amadurecer, mudar de rosto, de corpo, de lugar e de condição. Mas a sua essência é perene como é a alma humana. E é profunda e misteriosa como é o oceano.

Felizes aqueles que, ao menos uma vez em suas vidas, possam se deixar levar pelas correntes e pelos ventos, apenas fechando os seus olhos e entregando-se. É possível que, ao menos por uma fração de segundo, você possa se sentir flutuando e tocando a face da eternidade.

(Texto originariamente publicado em 01/11/12. Foto: HD4Desktop).

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COMPREENDENDO OS CICLOS

Mulheres com asas são fortes, mas caem. São persistentes, mas desanimam. São audaciosas, mas desistem. E são assim porque são mulheres e porque seu ritmo é ondulatório. As mulheres são criticadas por serem instáveis, mas reduzir o que acontece com elas a este mero estigma não parece justo. Há muito mais por trás da psique de uma mulher.

Para começar, a mulher é um ser sensível e, por isso mesmo, parece natural que oscile em razão dos acontecimentos exteriores e interiores. Além disso, as questões hormonais não se inserem no campo do psicológico ou do imaginário. Esta espécie de alteração é capturável por instrumentos científicos. Por fim, é da natureza da mulher caminhar em ondas ou ciclos, por mais determinada que ela seja.

Uma mulher é facilmente capaz de dar dois passos para a frente e um para trás pra chegar aonde precisa. Não se trata de indecisão. Muitas vezes, as mulheres precisam apenas recuperar o fôlego, examinar melhor o terreno em que caminham ou se prepararem para um passo mais ousado. Isto não é um defeito, é uma característica. Aliás, eu diria que se trata de um atributo positivo, pois revela preocupação, cautela, e consciência, inclusive dos próprios limites.

Mesmo a mais arrojada das mulheres sabe, instintivamente, até onde pode ir. E quando ultrapassa a linha do aceitável, põe-se em contato consigo mesma para retroceder e retomar seu auto-controle e sua auto-estima. Quando uma mulher não consegue fazer isso, provavelmente está doente e precisando de muita, muita ajuda.

As mulheres são seres que analisam, investigam, conferem, verificam, checam e inspecionam. E não são assim por pura maldade, curiosidade ou por defeito de caráter. São assim porque precisam conhecer o solo em que pisam e necessitam se certificar da adequação do terreno em que estão trilhando. O preço disso é que muitas vezes são mal compreendidas e julgadas.

Mas isso não tem a menor importância. Um julgamento não muda uma essência. E a essência da mulher é perscrutar o ambiente até que nele se sinta bem. As coisas são como são. E é assim com a mulher.

Às vezes, quando nada parece funcionar, é preciso ajustar as velas e mudar de direção. E às vezes é preciso recuar. Ou para ir embora de vez, ou para ganhar impulso e poder atravessar a fronteira. De todo modo, quando a mulher parece estar retrocedendo, na verdade ela está recuperando as suas energias para empreender uma mudança.

Quando a mulher cai, pode se sentir muito só e infeliz. Mas em muitos casos só mesmo seu afastamento pode ser sua salvação. Quem aprende a viver sozinho suporta melhor as dificuldades. Mas em muitas situações, o movimento de marcha-à-ré inclui a coletivização dos seus sentimentos. Não há quem duvide que a terapia entre amigas é o mais eficaz remédio que existe.

As mulheres devem compreender e aceitar os seus ciclos como parte da sua existência. Sentir-se desvitalizada ou desanimada é um efeito colateral da premência de uma mudança.

As aves migratórias vêm sendo estudadas e não há uma constatação unânime para a razão deste comportamento. O que se sabe é que algumas espécies voam milhares de quilômetros somente para encontrar melhores condições meteorológicas e alimento. Os estudiosos ainda procuram novas explicações, mas me parece que estas duas causas já justificam o esforço.

Quando uma mulher estiver insatisfeita com o seu ganha-pão ou com seu habitat, pode ser hora de partir. Observando os fenômenos naturais, constata-se que, em poucos casos, imitar a natureza não será sábio. Sendo assim, quando não estiver se sentindo bem, estude e questione as suas causas. E a  partir de suas conclusões, você poderá então decidir entre dedicar-se a seu ninho ou bater asas rumo a um novo horizonte.

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Texto originariamente publicado em 16/09/12. Foto: Roksolana Zasiadko.

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O NINHO VAZIO

Sumi por mais de dois meses mas finalmente reapareci porque não é do meu feitio abandonar as obras começadas para deixá-las inacabadas. Na verdade, embora não justifique por completo o meu desaparecimento, há para o fato uma explicação. Ausentei-me do país para cursar um Mestrado em Direito Comparado. Caso você não saiba, algumas universidades estrangeiras disponibilizam os chamados “programas de verão”, de modo que, de maneira condensada, você conclui seus créditos sem precisar mudar-se de mala e cuia para o exterior. Após rigorosa prova de seleção, que contou com um exame escrito e com um exame oral em inglês, fui aprovada em terceiro lugar para o programa da Samford University. Meus créditos deverão ser concluídos em um total de quatro meses, o que significa dizer que, se tudo der certo, ano que vem fico fora por mais dois meses. E, após a conclusão dos créditos, terei mais três anos para a apresentação da minha tese.

A experiência neste período foi incrível. Passei um mês estudando na Cumberland School of Law, em Birmingham-AL (USA), e outro na University of Cambridge, em Cambridge (UK), o que me fez rejuvenescer cerca de vinte anos, já que, aqui, fiquei em um dormitório na própria faculdade (Sidney Sussex College – Cambridge University), exatamente como se vê nos filmes: um pequeno quarto com uma cama de solteiro, um armário para roupas, uma escrivaninha, algumas prateleiras, um frigobar antigo e uma cafeteira. Não havia televisão, nem interfone, nem qualquer comodidade  típica de hotel. Puro despojamento.

Nesses dois meses e pouco, meus pais, que moram muito perto, fizeram a gentileza de cuidar da minha correspondência, de abrir as janelas do apartamento e de aguar as minhas plantas. Não fosse isso, o ninho teria ficado completamente abandonado e vazio. Quer dizer, vazio ele ficou. Ou melhor, vazio ele sempre é, não fosse mesmo pela minha ilustre presença.

Muito superficialmente, já li algo sobre a chamada “Síndrome do Ninho Vazio”, que, em poucas palavras, pode ser entendida como o esvaziamento físico da estrutura familiar e que cede lugar a uma incontornável sensação de abandono e de solidão.

Embora eu seja divorciada há muitos anos e embora meu filho não more mais comigo há um certo tempo, particularmente não experimentei essa contundente sensação, o que, confesso, me deixou um pouco intrigada. Refletindo melhor, porém, atribuí a ausência de sofrimento ao fato de que tenho pautado minha vida em cima de uma sequência interminável de desafios pessoais, sem a concentração de minha energia em um único ponto, e o que não me desmerece, em absoluto. Acho que fui e que continuo sendo uma ótima mãe. Porém, com certa naturalidade aceito as circunstâncias cambiantes da vida, de modo que a tristeza pela partida de meu filho não se prolongou além do necessário. Aliás, considero extremamente estimulante ver, ainda que a uma certa distância, os seus progressos pessoais e profissionais. É um pássaro que já se aventura a seus próprios voos-solo. E, por isso mesmo, o ninho ter ficado vazio, ao menos para mim, não foi necessariamente triste ou ruim.

Quem convive comigo sabe que costumo dizer que as mulheres com asas não moram em casas, mas sim em ninhos. E digo isso porque casa parece ser um local físico muito insípido e impessoal. Os ninhos, ao contrário, são construídos artesanalmente, com amor e dedicação. Às vezes eles demoram anos para ser finalizados. E por isso mesmo, de uma certa forma, têm muito mais valor.

Eu amo a minha morada. É aqui que me encontro a mim mesma no final de cada dia. É aqui que guardo meus tesouros preciosos e também aquelas coisinhas aparentemente sem importância, mas que contam a história da gente. Tenho uma gavetinha onde estão armazenadas todas estas lembranças e quando estou prestes a me desconectar de mim, reavivo minha memória examinando aqueles pequeninos objetos carregados de emoção.

Meu ninho é o local do meu repouso, da minha meditação, das minhas orações. É também o lugar onde posso preparar nutritivas refeições e onde posso ouvir música, dançar e cantar. E é por isso  que tenho tanto respeito por ele.

Vira-e-mexe, acontece de eu me ausentar, como aconteceu nestes últimos dois meses. Mas nunca deixei de me lembrar que ele ficou ali, me esperando como sempre esteve, e a postos para me receber de volta de maneira afável e íntima.

Sinceramente, não vejo a história do ninho vazio como uma desvantagem na vida das mulheres com asas. Se você ficou sozinha porque motivo seja, mesmo que sua única atividade tenha sido dedicar-se à família pelos últimos mil anos, acho que é hora de você aproveitar com exclusividade  o seu precioso ninho. Se puder, mude alguns móveis, objetos ou as cores das paredes. Compre alguma coisa nova e não se esqueça de sempre manter algumas flores frescas no seu quarto. Abasteça sua geladeira com alimentos saudáveis e saborosos e seu guarda-roupa com itens do seu próprio gosto. E, principalmente, trate de você mesma com carinho e cuide do seu desenvolvimento pessoal. Corra para um novo trabalho, para um novo curso, para uma nova atividade. Aproveite a bênção do tempo livre que a vida agora te deu. E estabeleça laços muitos sérios com seu ninho, porque é ele quem te receberá no encerrar de cada dia.

E se, a final, qualquer hora você estiver cansada dele, como pode acontecer em qualquer relacionamento, tire um tempo e fique longe. Sem traumas e sem ressentimentos.

Quando você voltar, tenho certeza de que vocês farão as pazes e que você terá imenso reconhecimento e gratidão à vida por ter um abrigo cálido à sua espera e uma confortável cama que te abraça todas as noites sem qualquer exigência ou repreensão.

(Texto originariamente publicado em 12/08/12. Foto: HD Free Wallpapers).

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UM SÁBIO CHAMADO TEMPO

Era uma vez um sábio chamado Tempo. Tempo era tão culto e erudito que, nos quatro cantos do mundo, era conhecido como o Senhor da Razão. Tempo não falhava. E também não faltava. Não falhava porque, mais dia, menos dia, as coisas confiadas a ele sempre acabavam por acontecer. E não faltava porque nunca se recusou a estar à disposição das coisas e das pessoas. Entretanto, apesar de sua notável perfeição e sapiência, Tempo nunca foi um ente muito bem compreendido e parte disso sempre se deveu à dificuldade de aceitar que, contra ele, não existem argumentos ou ações. Tempo é soberano e é praticamente intransponível.

Em um certo sentido, Tempo tem sido acusado de ser cruel e implacável. Através de seus olhos, é possível observar-se a beleza, a saúde e a vida se esvaindo até seu completo desaparecimento. E não há ninguém, nem ciência e nem religião, capaz de deter esta força. Questionado sobre tais angústias humanas, Tempo tem se limitado a responder que as coisas simplesmente são assim. E são assim porque nada no mundo é estático e porque o fluxo da vida segue em uma direção de mão única. Cada célula dos nossos corpos encontra-se em processo de envelhecimento desde ao menos o dia do nosso nascimento. E, se é assustador pensar assim, serve de alento o fato de que esta é uma verdade fisiológica universal, comum a todos os seres vivos.

Tempo tem explicado que, na vida, as coisas tem um começo, um meio e um fim e que acontecem como têm que acontecer, por razões muito intrincadas e complexas relacionadas com esta enorme teia de interações que rege o universo. Sendo assim, por mais que alguém se esforce, é impossível apreendê-las e retê-las.

Mas Tempo tem também um lado muito benevolente. É por meio de sua ação que a maior parte do sofrimento humano transforma-se em mera lembrança e é pela graça de suas mãos que uma enorme gama de problemas acaba se resolvendo de uma forma bastante natural e quase milagrosa. Tempo é curativo, eficiente e aliviador. Basta ter paciência, o que, entretanto, não parece ser muito fácil.

Em meio a dores e inquietações, o homem tem pressa em entender o que com ele se passa. Quer saber porque algo aconteceu ou deixou de acontecer, principalmente quando o resultado esperado não é atingido. Quer saber porque caiu, perdeu, fracassou, faliu, foi traído, foi trocado, foi ofendido, foi magoado, foi agredido, foi desrespeitado. Ingenuamente, procura conselhos e respostas imediatas. Ele ignora que a compreensão exata dos acontecimentos depende do Tempo. Após repetidas experiências, deveria ter a humildade de aceitar este postulado universal e simplesmente saber esperar.

Tempo também foi indagado sobre estas questões e sobre o funcionamento deste mecanismo. Ele ilustrou da seguinte maneira: “Imagine que você estivesse observando um enorme tabuleiro. Você concorda que seria possível, ao observador, explicar e prever as interações, os encontros e as quedas de cada um dos pequenos seres que caminham sobre a superfície? Ter esta visão é como conhecer o passado, o presente e o futuro”.

Nós, seres humanos mortais, não possuímos este dom, pois fazemos parte deste tabuleiro. Nossa visão é muito parcial e limitada e não conseguimos olhar em todas as direções com o alcance necessário. Somos tão minúsculos em meio a aquela teia que nunca chegaremos a compreender todas as causas, consequências e condições.

Há, porém, a possibilidade de algumas respostas. Aguardando o necessário, poderemos olhar para trás e então, já com um certo distanciamento, conseguiremos ver com alguma clareza os caminhos percorridos até um determinado resultado. Esta é a bondade do Tempo. Se ele não nos confere a dádiva de antever o futuro, ao menos nos concede meios de compreender o passado e, consequentemente, o presente.

Se hoje você tem questões não respondidas, aguarde mais um pouco. Seja gentil com você mesma e com o Tempo. Não se agrida, não se torture, não se esgote. As respostas possíveis virão quando você tiver caminhado mais além e quando houver subido a montanha que lhe fará enxergar melhor os rastros da sua existência. E quando você tiver alcançado o topo de sua fé e da sua alegria, o Tempo, em sua ação que nunca falha, trará a cura e erguerá, com suas asas, o véu de muitos mistérios.

(Texto originariamente publicado em 21/05/12. Foto: Walldevil)

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NAS ASAS DA PAIXÃO

Se existe um assunto acertado em termos de satisfazer a curiosidade feminina, este tema é a paixão. Acho normal. As mulheres são seres apaixonados em sua essência e falar sobre a paixão é falar sobre algo que lhes é muito familiar e muito antigo. É claro que cada uma de nós tem a sua própria história. Mas é certo também que a primeira paixão nasceu muito cedo, quando éramos apenas meninas. Naquela época, a paixão que sentíamos dentro de nós provocava a mesma sensação que correr em meio a bosques floridos e caçar borboletas. Acreditávamos piamente que a paixão era capaz de transportar os nossos corpos franzinos e as nossas almas espevitadas para muito além do horizonte. O simples ato de observar o ser amado, mesmo que você estivesse escondida atrás de uma árvore a milhares de quilômetros de distância, era como respirar o mais inebriante perfume de sândalo. E um mero olhar do seu principezinho já era suficiente para você se sentir flutuando em um tapete mágico a milhas e milhas de altitude. E, o melhor: sem nunca sentir vertigens ou medo de cair.

Então você virou moça. Neste momento, apenas contemplar o ser amado já não era mais suficiente. Foi quando surgiram, então, as suas primeiras interações, ainda muito desajeitadas e tímidas. O rubor na face era natural. Nenhuma de nós precisava de maquiagem. O que precisávamos, isso sim, era ensaiar palavras na frente do espelho e descobrir em nós mesmas uma coragem assustadoramente poderosa para estabelecer alguma espécie de contato. Como a grande maioria das primeiras paixões, a minha também foi platônica e não correspondida. Agora eu sentia, pela primeira vez, a flecha atravessando o meu coração. Eu nunca havia sentido uma dor assim. Meu grande amigo era meu diário, cuja capa cor-de-rosa era fechada com uma chavezinha dourada. E era para ele que eu dirigia as minhas preces, fazia as minhas promessas e contava os meus progressos na arte da sedução. Meu diário nunca me recriminou. Calado, aceitou tudo aquilo que eu impus a ele com minha letra perfeita e também tudo aquilo que eu impus a mim.

Então virei mulher. Costumo ser muito franca e aberta com relação aos meus sentimentos e à minha intimidade. Sinceramente, não tenho problema algum em falar sobre a minha vida. Mas existe uma única coisa que às vezes ainda me faz corar. Incomoda-me um pouco lembrar de todas as coisas insanas e sem sentido que, ao longo da minha existência, eu fiz em nome do que eu achava que era amor. Fosse amor de verdade, não teria sido assim. Os atos impensados, a fragilidade, o destempero e o desequilíbrio são típicos, na verdade, de um estado de paixão. Se eu tivesse sabido antes, teria feito diferente. Mas eu estava equivocada. Para mim, tudo aquilo era amor. E se até Fernando Pessoa teria dito que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, quem era eu para discutir?

As paixões não fizeram estragos significativos na minha vida, mas deixaram marcas indeléveis no meu ser. Valeram a pena no momento em que existiram, mas tenho que admitir que o preço pago foi altíssimo em termos de auto-respeito, de auto-controle e de auto-estima. Nos momentos de paixão, sufoquei minha vontade de voar e, voluntariamente, amarrei pesos nos meus pés. Minhas asas se ressentiram e eu não me importei. Em parte, abri mão de mim mesma e corri o risco de que elas se atrofiassem para sempre.

Felizmente, a natureza possui uma inacreditável capacidade auto-curativa e minhas asas se recuperaram e me remeteram àquela época em que eu bebia água nas nascentes e colocava margaridas nos cabelos.  Mas tudo agora era diferente. Com o tempo, veio a consciência de que eram os meus próprios pés que me moviam e que, para voar de verdade, eu teria que exercitar as minhas asas. E comecei a tatear esse terreno, experimentando aqui e acolá as minhas novas descobertas. Demorei muito, mas muito mesmo, para ter a segurança de me elevar um pouco além. Eu sabia que um vento mais forte poderia facilmente me derrubar.

Mas eu não desisti. E, aos poucos, eu fui mudando como um pássaro migratório, que intuitivamente sabe para onde se encaminhar. Em parte, tenho saudade das piruetas, das manobras radicais e até mesmo dos pousos forçados. Mas, em parte, prefiro seguir em velocidade de cruzeiro, observando meu caminho com atenção e sabendo distinguir quem são os predadores e quem são os companheiros.

Ninguém pode dizer que não beberá da água de um determinado rio. Principalmente, se você se vir sozinha em meio a um deserto árido. Sendo assim, hoje eu prefiro abastecer os meus próprios cântaros e minimizar os meus riscos. Pode parecer covardia. Mas pode ser também que a isso se chame paz. Os voos serenos têm valido muito a pena em minha vida e têm me poupado muita energia. Certa ou errada, com razão ou sem razão, acredito que, desta forma, poderei ir ainda mais longe. E ter muitas outras histórias e finais felizes para contar.

(Texto publicado originariamente em 15/05/12. Foto: Rosie Hardy)

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