Mulheres com Asas

Bons Voos.

Tag: resiliência

A FLECHA NO CORAÇÃO

“Quando uma estrela fica sem combustível, ela começa a esfriar e a gravidade assume o controle, provocando sua contração. Esta contração aperta os átomos, aproximando-os, e faz a estrela tornar-se novamente mais quente”. Esta afirmação de cunho científico está na página 82 do livro “Uma Nova História do Tempo”, de Stephen Hawking e Leonard Mlodinow. Pela terceira vez recomeço o livro desde o seu prefácio para tentar entender as coisas misteriosas e complexas desta casca de noz. E confesso que, em parte, meus esforços têm se mostrado em vão.
É muito interessante pensar que você se acha razoavelmente inteligente até descobrir que a força da gravidade altera o tempo, em sua essência. Certo. Você pode repetir mil vezes que tudo é relativo e que, se viajar mais rápido que a luz, poderá percorrer o tempo para trás. Ou pode também oferecer-se para pessoalmente testar o paradoxo dos gêmeos numa nave espacial com o bônus, ainda, de voltar mais jovem para a face da Terra. Ou, então, pode solenemente proclamar que tudo é infinito, que o universo não é tridimensional e que o início de tudo decorreu de uma simples explosão.
Muitas destas assertivas eu tenho reproduzido desde sempre. E desde sempre também tenho me perguntado sobre a correção das minhas conclusões. Além disso, parte do que digo sequer faz sentido para mim, o que me põe a duvidar da própria pertinência dos meus questionamentos.
Sinto-me um pouco frustrada porque minha mente não alcança o exato sentido das coisas, nem mesmo após a vagarosa leitura de texto didático por inúmeras vezes. Pode ser também que eu não tenha aptidão para o pensamento abstrato, pois, a despeito das minhas inúmeras tentativas, acabo sempre voltando a aquelas questões primárias que formulei na minha infância, em pouco ou nenhum progresso nas minhas respostas. E ecoa em minha mente: O que havia antes? O que haverá depois? Existe algo que possa ser espacialmente ilimitado? O que é o nada? O que é o eterno? Como vim parar aqui?
Em algum momento da minha vida li que se eu fosse capaz de entender alguns destes mistérios eu poderia ser muito mais feliz. É possível. Certamente a apreensão exata de dilemas bastante complexos tornaria muito mais intuitiva a compreensão dos fatos singelos e cotidianos, sob a acepção de suas razões e de seus por quês.
Alguém então poderia dizer que o entendimento da vida está muito mais inserido nas questões afetas à fé do que nas questões relativas à ciência. Meu pragmatismo, entretanto, insiste em buscar as imediatas e razoáveis explicações racionais para os eventos mais insignificantes da vida.
É do meu feitio, como se diria. Mas, por outro lado, este mesmo pragmatismo me empurra para frente, como que dizendo que não há tempo para abrir o livro pela terceira vez. E eu sigo esta voz. Acabo me impelindo para a frente sem parar para analisar muito do que ocorre em minha vida. Perde-se um pouco, é verdade. Mas ganha-se em tempo e otimização, o que parece lá ter suas vantagens.
Uma antiga lenda fala de um índio que recebeu uma flechada envenenada em seu coração. Indignado, quis saber quem tinha disparado a flecha, a razão para o ataque, o tamanho do arco, a distância do inimigo, a composição do veneno, e outros detalhes que somente os animais da mata poderiam esclarecer. O curandeiro, então, sugeriu que ele primeiro retirasse a flecha do seu peito para, somente depois, continuar com suas reflexões. De fato, a teimosia e a pressa por conhecer todas as respostas certamente o deixariam morrer.
E assim ficamos presas no dilema entre o perguntar ou o prosseguir, em um ciclo que não conduz a um resultado prático satisfatório.
Às vezes simplesmente andamos. Em outras ocasiões, voltamos a aquelas questões antigas e que são paralisantes. Ou então apenas emperramos, tentando entender o significado de algum específico episódio ou as razões pelas quais as coisas são como são.
Falta sabedoria. De minha parte, eu deveria ser prática como o curandeiro sugeriu e arrancar de vez a flecha envenenada do meu coração.
Ocorre que eu consigo entender as inquietações do índio. Como andar pela floresta sem conhecer o inimigo e de ter a certeza de quantos são? Como preparar-se para a defesa sem saber as razões para o ataque? Como municiar-se adequadamente sem inteirar-se do poder de fogo do guerreiro adversário?
As perguntas são pertinentes, por evidente. O problema é que talvez nunca se chegue às respostas corretas, se é que elas existem. Considere, por exemplo, a possibilidade de a flechada ter sido fruto de um mero acidente. Neste caso, não existiriam inimigos e nem confrontos futuros. O índio teria se desgastado inutilmente em tentar encontrar as explicações, que, a rigor, não passam mesmo de suposições.
Então é melhor andar. Porque quando a gente simplesmente para, o combustível vital se esvai, a vida se esfria, as contingências tomam o comando e o corpo se contrai. É assim também com as estrelas, como aprendi e transcrevi no início deste texto, em trecho que, para minha felicidade, compreendi em sua plenitude.
Nas situações extremas, você chega ao seu limite e é necessária significativa pressão decorrente da contração para que você possa se reaquecer. O processo é penoso. O sofrimento é intenso. O esforço é desmedido. E a perda de parte da vitalidade é irrecuperável.
Estou convencida de que a estagnação, ainda que temporária, é sempre prejudicial.
Melhor que se retire logo a flecha do peito para que se inicie a recuperação. É uma questão de prioridade cuidar primeiro do que é essencial, palpável e conhecido. O resto é o resto. Você poderá entender posteriormente, caso exista mesmo algum sentido. Na pior das hipóteses, você tem a eternidade.
E aprenda o que é a resiliência dos corpos, a magnífica capacidade de voltar ao estado anterior após acentuada deformação.
No mais, siga em frente, sempre. Há uma imensa estrada logo ali. E também não há que se enxergar desde logo qual é o ponto de chegada. Ao contrário, basta que se consiga iluminar apenas alguns poucos metros à frente para entender qual é o melhor caminho a seguir.
(Texto originariamente publicado em 04/02/15. Foto: Favim).
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O PRINCÍPIO DOS VASOS NÃO COMUNICANTES

Houve uma época da minha vida em que tudo desmoronou. Incrivelmente, nada parecia funcionar e, olhando para um lado e para o outro, eu não conseguia enxergar nenhuma saída. A única coisa que eu sentia era uma pressão muito forte no meu peito. Meu corpo, para aliviar esta tensão, extravasava todo esse sentimento e toda essa dor na forma de lágrimas. Muitas e muitas lágrimas. Eu devo ter chorado por pelo menos umas quatro semanas ininterruptas. Minha única trégua era o trabalho. Nunca fiz questão de parecer forte aos outros, mas, magicamente, não chorei naquele ambiente.

Era necessário fazer alguma coisa. Mentira. Quem disse que nesse estado de coisas você consegue empreender uma avaliação crítica e elaborar uma estratégia? Eu não pensava em nada, em absolutamente nada. Até que em um certo dia me veio a imagem de um naufrágio. Não me lembro se foi um filme a que assisti, um sonho perturbador ou se foi a minha fértil imaginação. Mas a cena que se formou na minha mente era muito clara.

Eu sempre gostei de água. Quando criança, eu era um verdadeiro peixe. Então, naquele cenário, eu podia me ver muito serena agarrada a um pedaço de madeira em forma de tábua. O mar estava calmo e cálido. Não havia desconforto. Do meu lado direito, o navio afundava e eu não conseguia nem ver e nem ouvir qualquer pessoa. Eu estava literalmente sozinha no meio do oceano. As marolinhas batiam em mim e fiquei feliz por avistar uma ilha não muito longe dali. Era óbvio que eu poderia nadar até lá e esperar por socorro. Comecei a observar melhor a água e percebi que havia objetos flutuando. Muitos deles. Vi algumas latas fechadas de alimentos, garrafinhas de água e também muitas outras coisas inúteis ou imprestáveis. E nesse momento operou-se o milagre do salvamento e da salvação. Eu aprendi a recomeçar. Como eu precisaria nadar até a ilha, tive de escolher muito bem os objetos a serem recolhidos. Sem desespero, examinei um a um, avaliando o que poderia ser útil e o que poderia ser deixado para trás. Não foi difícil levar as coisas selecionadas com o auxílio da minha prancha. E poucos dias após permanecer sozinha na ilha, fui finalmente resgatada em perfeitas condições, físicas e mentais.

Este episódio mudou minha vida. Dele eu tirei a quase totalidade do pouco que sei. Foi com razão e com calma que eu me recuperei. Lembrei-de de novo da minha infância, precisamente da época da escola em que aprendi a fazer gráficos de barras. E desenhei um lindo gráfico na minha cabeça. Cada barrinha representava um setor da minha vida: saúde, filho, família, trabalho, vida social, vida afetiva e outras áreas significativas. E, desde então, todos os dias da minha vida, faço a avaliação do estado de cada um destes segmentos e dedico-me a melhorar a barra que apresenta o menor desempenho. Este método é eficaz e funciona muito bem porque uma barra nunca interfere na outra. Um problema aqui não pode estragar o que está bom por lá. Por que você jogaria um punhado de terra num copo de água cristalina e potável? Não é justo com os outros, com a vida e principalmente com você. Criei este princípio para mim. Lembra-se do princípio de física dos vasos comunicantes? Pois então. A premissa aqui é que este princípio nunca seja aplicado, em nenhuma situação e sem qualquer exceção.

Cada um é um, é verdade. E eu não sou filósofa ou sabida o suficiente para afirmar que o que funciona para mim vai funcionar para todos.

De todo modo, faço um convite a esta experiência. Nas situações extremas, permaneça calma, racional e selecione o que serve e o que não serve. Em seguida, repasse mentalmente seu gráfico pessoal e faça uma avaliação sincera de cada setor. Por fim, dedique-se ao mais vulnerável e lembre-se de preservar as áreas satisfatórias.

Isso é ciência? Não, é puro empirismo. Posso prometer que funciona? Não, por evidente. Mas se não se comprova sua eficiência, também não se demonstra sua inutilidade porque a ausência da prova do acerto não significa, necessariamente, a incorrência em erro. E quanto a isso tenho a mais absoluta certeza. A propósito desta assertiva, posso afirmar que se trata de postulado universal.

(Texto originariamente publicado em 06/12/13. Foto: Maja Topcagic).

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O QUE EU APRENDI ESSE ANO

O ano não acabou, é verdade. Mas faltam poucos dias. Se não para o fim do mundo, certamente para o final do ano propriamente dito. E é hora de começar a fazer o balanço dos meses, das semanas, dos dias, das horas, dos minutos, dos segundos.

Aprendi muito em cada uma destas frações existenciais do tempo.

A passagem dos meses me mostrou que o fortalecimento pode ser razoavelmente estável. Que nem sempre precisamos ter recaídas de tristeza e de desesperança. Que é possível navegar em águas calmas até o outro lado do oceano.

O transcurso das semanas me ensinou que é viável, sim, planejar e organizar-se. E, acima de tudo, realizar projetos em relativamente curtos períodos de tempo, de forma segura e responsável.

O transcorrer dos dias revelou que em pouquíssimo tempo se constroem amizades e sonhos. Não é necessário muito tempo para estabelecer laços e vislumbrar a concretização de um ideal.

O tique-taque das horas evidenciou que num breve piscar de olhos coisas impensáveis podem acontecer e mudar. Não temos controle sobre quase nada em nossas vidas. E, paradoxalmente, podemos ter integral controle sobre os nossos pensamentos.

O pulso dos minutos contados me contou sobre a possibilidade de cantar a alegria em momentos efêmeros e significativos. Num piscar de olhos, decide-se, avança-se, constrói-se. O relógio não para nunca, nem o físico, nem o biológico, nem o mental, nem o espiritual. O amor não precisa de quase nada para se manifestar. E nem também qualquer outro sentimento. Apreender a vida, reter a emoção, respirar o instante e ouvir o coração são ações que não se condicionam a nada que não seja você mesmo.

E os segundos… Ah! os segundos… São miraculosos, mágicos e reticentes. Explodem dentro de nós como faísca. E ainda assim contêm toda a eternidade. Em um segundo, é possível compreender o significado daquilo que demoramos vidas inteiras para perceber com clareza.

Os segundos são a nossa existência na forma de sua potencialidade máxima.

A dor que dói agora é sempre a mais vigorosa. O amor que se sente agora é sempre o mais poderoso.

Porque é apenas no agora que a mudança se manifesta e que a alma se transforma. O antes e o depois têm pouquíssima importância, pois é sempre no agora que você se emociona, vibra, acredita, sente, suporta, chora, sorri, sofre, recomeça.

É neste exato segundo que você compreende o resultado do ontem, do anteontem e de qualquer  momento do seu passado. E é neste exato segundo que se forma o amanhã, o depois de amanhã e qualquer partícula de um futuro seu.

Você acabou de envelhecer um átimo. E tudo o mais agora já é lembrança, memória, nostalgia. Ou apenas uma visão enevoada e incerta do próximo amanhecer. Porque somos seres livres mas somos também prisioneiros do ciclo interminável de uma inevitável sequência de agoras.

(Texto originariamente publicado em 18/12/12. Foto: Welcome Qatar).

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AS MARCAS DO CORPO E DA ALMA

Em uma sexta-feita ensolarada do último mês de fevereiro, decidi fazer um passeio de barco na maravilhosa praia de Waikiki, em Honolulu, Capital do Havaí. O catamarã escolhido se chama Mana Kai e costuma ficar ancorado bem no meio da praia, exatamente em frente ao hotel em que eu estava hospedada, o Aston Waikiki Beachside. O passeio dura cerca de uma hora e por meros US$20 você tem uma excelente visão de toda a costa.

Subi na pequena embarcação e ao meu lado sentou-se um americano de meia-idade que se dizia amigo do dono. Como o proprietário do barco não se achava a bordo, não pude aferir a veracidade desta informação, a qual, honestamente, era completamente irrelevante. Cerca de dez minutos depois, o barquinho saiu e comecei a ver, à distância, os contornos urbanos e naturais daquela ilha tão especial, verdadeira pérola flutuando sobre o Oceano Pacífico.

Em um dado momento, o tal americano me perguntou sobre uma cicatriz vertical nas minhas costas, ao que, sem qualquer problema, expliquei a ele que havia me submetido a uma cirurgia no mês de maio do ano passado para a retirada de uma hérnia extrusa. Ele reparou também que eu tinha cicatrizes nos meus dois joelhos. Contei a ele, então, que tive que fazer uma correção cirúrgica na rótula esquerda e que havia retirado o menisco do joelho direito devido a uma lesão por sobrecarga de esportes.

Costumo ter muita paciência e tolerância com as pessoas e, embora tenha achado de péssimo gosto a piada do americano, não deixei de aproveitar o momento e sentir a brisa fresca no meu rosto. O americano havia me chamado de Mrs. Frankenstein e comentado o fato com os outros passageiros.

Fiquei pensando, então, naquelas minhas cicatrizes pelas quais tenho muito amor e respeito. E cheguei até a achar engraçado que eu tivesse merecido o deselegante apelido mesmo sem que ele tenha contabilizado as outras marcas do meu corpo, pois, além daquelas três, tenho ainda a cicatriz da cesariana e de uma mamoplastia que fiz aos dezoito anos para a redução dos meus seios.

As cicatrizes do meu corpo contam a história da minha vida e, para mim, são muito belas. Cada uma delas representa um importante acontecimento e todas elas podem ser consideradas como marcos de mudanças sem as quais eu não teria crescido e me tornado a pessoa que hoje eu sou. Sinceramente, não compreendo como uma pessoa pode se envergonhar dos desenhos que narram a sua própria existência.

E assim também são as cicatrizes da alma. Elas fazem a narrativa do seu desenvolvimento como ser humano. As quedas, derrotas, insucessos e fracassos deixam vestígios indeléveis que jamais serão apagados, já que o passado ninguém pode mudar. Mas no presente eles são indolores e inofensivos. E por isso mesmo estas marcas são tão maravilhosas e ali devem permanecer.

As feridas do corpo e da alma doem, latejam, cortam, ardem, sufocam, queimam e merecem ser cuidadas. Já as cicatrizes não provocam mais nenhuma sensação de desconforto. São apenas os traçados da sua própria jornada.

Amo as minhas cicatrizes. As do corpo e as da alma. Quando penso nelas, posso me recordar, sem sofrimento ou vergonha, de tudo o que aconteceu e de como as intervenções em cada qual das lesões foram bem sucedidas. Nunca pensei em corrigi-las ou escondê-las. Ao contrário, tenho orgulho delas e dos episódios relevantes que elas ainda contam.

A navegação seguiu como prevista e, ao desembarcar segura nas brancas areias da praia, tive a sensação de que durante o passeio aprendi mais uma importante lição. Nossas vidas deixam rastros visíveis que podem incomodar. Por outro lado, eles sinalizam também qual o trajeto percorrido até aqui e como nos saímos até então. Podemos, então, desta maneira, saber se estamos no caminho certo rumo ao próximo  porto ou se ainda há algo, lá atrás, que precisa de cuidado e atenção.

E agora você já sabe. Quando as suas feridas finalmente viram cicatrizes você torna-se vitoriosa de si mesma e preparada para novos voos. Já não há dor. Somente lembranças. Já não há sofrimento. Apenas recordação. E então você pode seguir em frente, mais uma vez, sabendo que sempre há o risco de outros acidentes e quedas. Mas também com o conhecimento e com a convicção de que sempre há a possibilidade de satisfatória recuperação.

(Texto originariamente publicado em 04/05/12. Foto: Favim)

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