Era uma vez uma menina. Ela não era uma princesa. Ela era uma menina comum. Esta menina carregava dentro de si todos os sonhos do mundo. Nestes sonhos, a menina habitava um lindo castelo, rodeado de verdejantes jardins com fontes de águas puras e cristalinas, onde, ao longe, podia-se ouvir o som dos violinos. Passarinhos de todas as cores vinham visitá-la logo cedo em sua janela, convidando-a a correr por entre os bosques fartos e a dançar junto às borboletas azuis. A menina, então, todas as manhãs, levantava-se de sua cama cor-de-rosa, atravessava seu enorme quarto cor-de-rosa e abria as longas cortinas também cor-de-rosa para dar “bom dia” a cada um de seus pequeninos amigos. A família da menina era muito doce, meiga e generosa, mas, mesmo assim, a menina sentia-se muito só. E sentia-se assim não porque a família a negligenciasse, mas sim porque, por mais que se esforçassem, os membros desta família não conseguiam acessar e entender os sonhos desta menina. E por causa disto, então, ela aprendeu, desde muito cedo, que seus sonhos eram só seus e que eles eram capazes de fazê-la muito feliz.

A menina cresceu. Sem que percebesse o tempo passar, muitos dos seus sonhos se realizaram. É claro que ela jamais morou em um castelo. Neste ponto, portanto, nunca deixou de ser aquela menina comum. Em contrapartida, realizou outras tantas coisas, que, como num passe de mágica, quando caiu em si já havia se feito inteira como mulher.

Preencheu sua vida com tarefas, atividades, deveres e ocupações. E nem tudo foi ruim. A par de uma agenda cheia, houve também um tanto de prazer. Fizeram parte desta trajetória casamento, filho, viagens, hobbies, amigos, conquistas materiais, realizações profissionais e reconhecimento. Tudo aconteceu como tinha de acontecer.

Foi então quando, do nada, nestes estalos que simplesmente vêm à mente, a menina percebeu que não era mais uma princesa, mas, sim, que agora havia se transformado em uma mulher e que se achava coroada como a rainha de si mesma, forte, independente e realizada. Neste momento, ficou com um pouco de medo de si. Sentiu temor por tudo quanto a força e o poder podem representar porque eles são capazes de afastar as pessoas daqueles primeiros sonhos da infância, fechando definitivamente os portões daquele castelo.

Esta sensação não foi nada confortável para aquela menina, hoje mulher. Sem maiores explicações, ela passou a lembrar-se dos tempos em que era apenas uma criança e que tinha em si todos os sonhos do mundo. Agora, tudo parecia tão realizado, perfeito e concreto, e, paradoxalmente, tão distante daquele estado de desejo que somente as meninas sonhadoras sabem conhecer.

E, num piscar de olhos, olhos agora marejados, tudo o que a menina ora desejava era estar lá atrás de novo, em seu castelo encantado, esperando a hora de correr com as borboletas azuis.

A vida é engraçada. Busca-se muito e quando se alcança, a gente tem a sensação de que o desejar e que o sonhar são sentimentos mais reais do que o conseguir.

A menina viu-se prisioneira de si e do ciclo da vida, pois bem sabia que não podia caminhar para trás. E, além disso, ela teve de admitir que sequer se lembrava onde havia guardado a chave dos portões do castelo.

Foi um grande e desgastante trabalho desvencilhar-se desta armadilha. Sabia que não podia jogar tudo para o alto para viver um delírio infantil. Por outro lado, era frustrante saber que não mais podia experimentar aquelas sensações das frescas manhãs.

A menina recusou-se a permanecer naquele cativeiro. Haveria de existir uma saída para esse complicado dilema. Foi quando ela, então, decidiu escarafunchar todas as gavetas da sua existência até encontrar seu tesouro precioso. Ela sabia que se descobrisse algo que houvesse deixado para trás poderia ainda retornar a aquele castelo com a chave certa capaz de abrir seu coração. Repassou em sua mente tudo o que desejou e sonhou ao longo de sua jornada. E lembrou-se, então, que algo havia sido abandonado. Foi um sonho interrompido. Por circunstâncias da vida e antes que a cortina se fechasse, a menina deixara de dançar nas pontas de seus pés, em vestidos de tule cor-de-rosa e coroas prateadas.

Ela havia encontrado o segredo. O mistério para sua felicidade finalmente estava desvendado. Com a coragem necessária, ela poderia obter a chave daqueles portões. Preparou-se então para o grande dia em que poderia novamente calçar as suas sapatilhas de cetim. Chorou de dor e de emoção quando as luzes do palco se acenderam e depois se apagaram. O tempo havia passado mas era como se o próprio tempo não existisse. A tristeza foi-se embora. O medo acabou. Os pássaros cantaram. Os jardins floriram. As janelas e os portões finalmente se abriram. E a música, antes ouvida à distância, agora estava dentro dela para sempre e nunca mais pararia de tocar.

E a menina, então, jurou a si mesma que, enquanto vivesse, seria fiel à sua verdade e à sua essência. Jurou que cumpriria todos os seus sonhos. Jurou que nunca mais abandonaria a si. Jurou que sempre voltaria ao castelo. Jurou que desafiaria o tempo e que renasceria na própria eternidade.

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Crédito da Foto: Pinterest

 

 

 

 

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