Mulheres com Asas

Bons Voos.

Tag: lágrimas

QUANDO A CHUVA CHEGA

Hoje é um sábado chuvoso aqui em São Paulo, daqueles perfeitamente capazes de descrever com precisão por que a cidade é conhecida como “Terra da Garoa”. Olho pela janela e vejo a fina cortina de água descendo por entre as árvores e prédios. E as aves não cantam.

Há dias assim também dentro de nós. Há momentos cinzentos, tristes, melancólicos e quietos. Dias em que a ave que habita a alma simplesmente se recusa a cantar. E a gente não sabe se ela não canta porque não há nenhuma outra fazendo barulho ou se é por falta de vontade ou por ato de rebeldia.

Normalmente gostamos de ficar em nossos ninhos nesses dias nublados. Parece que, diante de tanto silêncio, interior e exterior, formaliza-se um convite ao “entrar em si”.

Quando a gente era criança conhecia de cor o ciclo da chuva e naquela época ninguém parecia se importar quando chegava esta época. Uma vez que você não podia sair de casa para se molhar e pular poças d’água, brincar dentro de casa era a agradável opção disponível. Bolinhos de chuva, corrida de pingo e rabiscos na vidraça eram possibilidades que existiam somente nestes dias.

Depois que a gente cresceu, nunca mais prestou atenção nestes detalhes. Ora, todo mundo sabe que a chuva é um fenômeno meteorológico normal, sem o qual a natureza e a própria vida ficam comprometidas. Sendo assim, a gente não deveria se aborrecer com isso.

Nosso ser também se sujeita a este círculo. Quando as nuvens se tornam densas e pesadas demais, é necessário extravasar. E é neste momento que a precipitação, no sentido climático do termo, finalmente ocorre.

É claro que ninguém gosta de chorar. Acho isto muito normal se você considerar que a maioria das pessoas detesta chuva e nunca se lembra daqueles desenhos que esboçavam o fenômeno hídrico e que eram estudados para as provas de ciências.

Mas assim como gotículas leves ou ruidosas tempestades, as lágrimas também têm uma função muito importante na nossa existência.

Elas higienizam males das mais variadas espécies e, o mais importante, põem sua lavoura para crescer e tornam viçosos os brotos do seu plantio.

As lágrimas são intrincadas e, de uma certa forma, muito mais intrigantes e misteriosas que as gotinhas que vejo escorrer junto ao vidro opaco.

Por uma infinidade de diferentes razões elas eclodem no nosso mundo, não necessariamente obedecendo às regras das estações do ano e às etapas do nosso crescimento. E veja só que curioso: o choro foi a manifestação que você escolheu para o primeiro instante do seu nascimento. E assim também será quando você estiver prestes a dar o seu último suspiro.

Assim como a chuva equilibra as necessidades dos seres viventes, as lágrimas são o sal da terra que tempera o paladar de uma existência indiferente, apática e insípida.

Agora que a chuva parou, olhe de novo para fora. Examine se ficaram resíduos acumulados na vidraça. Observe mais de perto. Se você não estiver conseguindo enxergar com nitidez o que está do outro lado, as janelas da sua alma podem estar precisando de um polimento especial. Faça uso das suas lágrimas para esta tarefa. E, se necessário, sem moderação.

(Texto originariamente publicado em 13/04/13. Foto: Odissey).

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NAS ASAS DA PAIXÃO

Se existe um assunto acertado em termos de satisfazer a curiosidade feminina, este tema é a paixão. Acho normal. As mulheres são seres apaixonados em sua essência e falar sobre a paixão é falar sobre algo que lhes é muito familiar e muito antigo. É claro que cada uma de nós tem a sua própria história. Mas é certo também que a primeira paixão nasceu muito cedo, quando éramos apenas meninas. Naquela época, a paixão que sentíamos dentro de nós provocava a mesma sensação que correr em meio a bosques floridos e caçar borboletas. Acreditávamos piamente que a paixão era capaz de transportar os nossos corpos franzinos e as nossas almas espevitadas para muito além do horizonte. O simples ato de observar o ser amado, mesmo que você estivesse escondida atrás de uma árvore a milhares de quilômetros de distância, era como respirar o mais inebriante perfume de sândalo. E um mero olhar do seu principezinho já era suficiente para você se sentir flutuando em um tapete mágico a milhas e milhas de altitude. E, o melhor: sem nunca sentir vertigens ou medo de cair.

Então você virou moça. Neste momento, apenas contemplar o ser amado já não era mais suficiente. Foi quando surgiram, então, as suas primeiras interações, ainda muito desajeitadas e tímidas. O rubor na face era natural. Nenhuma de nós precisava de maquiagem. O que precisávamos, isso sim, era ensaiar palavras na frente do espelho e descobrir em nós mesmas uma coragem assustadoramente poderosa para estabelecer alguma espécie de contato. Como a grande maioria das primeiras paixões, a minha também foi platônica e não correspondida. Agora eu sentia, pela primeira vez, a flecha atravessando o meu coração. Eu nunca havia sentido uma dor assim. Meu grande amigo era meu diário, cuja capa cor-de-rosa era fechada com uma chavezinha dourada. E era para ele que eu dirigia as minhas preces, fazia as minhas promessas e contava os meus progressos na arte da sedução. Meu diário nunca me recriminou. Calado, aceitou tudo aquilo que eu impus a ele com minha letra perfeita e também tudo aquilo que eu impus a mim.

Então virei mulher. Costumo ser muito franca e aberta com relação aos meus sentimentos e à minha intimidade. Sinceramente, não tenho problema algum em falar sobre a minha vida. Mas existe uma única coisa que às vezes ainda me faz corar. Incomoda-me um pouco lembrar de todas as coisas insanas e sem sentido que, ao longo da minha existência, eu fiz em nome do que eu achava que era amor. Fosse amor de verdade, não teria sido assim. Os atos impensados, a fragilidade, o destempero e o desequilíbrio são típicos, na verdade, de um estado de paixão. Se eu tivesse sabido antes, teria feito diferente. Mas eu estava equivocada. Para mim, tudo aquilo era amor. E se até Fernando Pessoa teria dito que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, quem era eu para discutir?

As paixões não fizeram estragos significativos na minha vida, mas deixaram marcas indeléveis no meu ser. Valeram a pena no momento em que existiram, mas tenho que admitir que o preço pago foi altíssimo em termos de auto-respeito, de auto-controle e de auto-estima. Nos momentos de paixão, sufoquei minha vontade de voar e, voluntariamente, amarrei pesos nos meus pés. Minhas asas se ressentiram e eu não me importei. Em parte, abri mão de mim mesma e corri o risco de que elas se atrofiassem para sempre.

Felizmente, a natureza possui uma inacreditável capacidade auto-curativa e minhas asas se recuperaram e me remeteram àquela época em que eu bebia água nas nascentes e colocava margaridas nos cabelos.  Mas tudo agora era diferente. Com o tempo, veio a consciência de que eram os meus próprios pés que me moviam e que, para voar de verdade, eu teria que exercitar as minhas asas. E comecei a tatear esse terreno, experimentando aqui e acolá as minhas novas descobertas. Demorei muito, mas muito mesmo, para ter a segurança de me elevar um pouco além. Eu sabia que um vento mais forte poderia facilmente me derrubar.

Mas eu não desisti. E, aos poucos, eu fui mudando como um pássaro migratório, que intuitivamente sabe para onde se encaminhar. Em parte, tenho saudade das piruetas, das manobras radicais e até mesmo dos pousos forçados. Mas, em parte, prefiro seguir em velocidade de cruzeiro, observando meu caminho com atenção e sabendo distinguir quem são os predadores e quem são os companheiros.

Ninguém pode dizer que não beberá da água de um determinado rio. Principalmente, se você se vir sozinha em meio a um deserto árido. Sendo assim, hoje eu prefiro abastecer os meus próprios cântaros e minimizar os meus riscos. Pode parecer covardia. Mas pode ser também que a isso se chame paz. Os voos serenos têm valido muito a pena em minha vida e têm me poupado muita energia. Certa ou errada, com razão ou sem razão, acredito que, desta forma, poderei ir ainda mais longe. E ter muitas outras histórias e finais felizes para contar.

(Texto publicado originariamente em 15/05/12. Foto: Rosie Hardy)

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