Falar de relacionamentos é sempre muito complicado. E mais difícil ainda é falar de não-relacionamentos, porque se tem uma coisa que ainda dói profundamente no coração humano é a solidão aliada à sensação do abandono e do vazio. Não importa como tudo começou ou como tudo acabou. A grande maioria de nós, nessas circunstâncias, experimenta dores muito fortes no peito e na alma.

A intensidade e a duração de uma dor podem variar de pessoa para pessoa. Por razões não enquadráveis em um plano lógico e esperado, há pessoas que em curtíssimo tempo recuperam-se do mal-estar e outras tantas que vivenciam um certo sofrimento ou frustração pelo resto de suas vidas.

Também é possível notar que as reações e condutas perante essas dores são muito pessoais e individualizadas. Há pessoas que, desesperadamente, lutam por um novo amor, na tentativa da reconstrução de um modelo, agora com o acréscimo do alívio que uma faísca de vingança pode temporariamente trazer. Já outras, desistem de trilhar pelo caminho linear da vida e embarcam na loucura de noites e dias sem fim, para repetir, inúmeras vezes, antigas sensações de prazer de uma determinada situação que não pode mais voltar. Por fim, há pessoas que se refugiam na dedicação ao trabalho, ao estudo e ao desenvolvimento pessoal, com o intuito de superaram aquela parte da vida que não deu certo mediante o esforço de serem bem sucedidas nas outras áreas da nossa existência.

É evidente que não há um modelo ou paradigma que seja melhor ou pior. Mas há uma circunstância que me incomoda demais. Ao longo da vida, encontrei centenas de mulheres que me disseram que não se importavam em ter ou não um relacionamento, de ter ou não um filho, de viver ou não uma vida a dois. Destas tantas, algumas me pareceram realmente sinceras, mas devo confessar que foi uma insignificante minoria. Quanto a todas as demais, não pretenderam, em absoluto, mentir para mim ou para ninguém. Mas ficou claro e evidente o esforço que tais mulheres faziam para tentarem convencer a si próprias de que estavam felizes assim. E então, para ratificar as suas próprias conclusões, sempre apresentavam como prova de seu correto posicionamento relatos de casamentos desfeitos, abusos físicos e morais, traições e abandonos. Nunca essas mulheres se referiram aos relacionamentos que, de uma forma ou de outra, eram bem sucedidos.

Respeito todas essas mulheres, mas acho isso um pouco ruim. Não por mim, evidentemente, mas por elas próprias que, nas entrelinhas, revelam o quanto se debelam entre um modelo psicológico e social estabelecido e a sua própria realidade pessoal.

Estive certa vez em consulta com uma terapeuta bastante experiente. Ela pediu, na apresentação, que eu falasse sobre mim. E confesso que foi facílimo relatar todo um histórico de sucesso, de reerguimento profissional, intelectual, financeiro e social. Em meu íntimo, creio que até mesmo minimizei os esforços que precisei fazer para chegar aonde cheguei. Mas não porque eu quisesse me gabar e, sim, porque havia questões que me pareciam infinitamente mais complexas. Quando terminei minha própria biografia, ela então me perguntou porque eu estava ali. Nesta hora, eu apenas baixei meus olhos e disse a ela que tinha vergonha de estar em sua frente porque meu único problema era que eu me sentia sozinha demais. Acrescentei a ela que sabia de pessoas que tinham problemas familiares horríveis, doenças incuráveis, limitações de toda espécie e que haviam vivenciado perdas irrecuperáveis. E esclareci que me parecia que estar ali por conta da mera solidão era um pouco fútil e desarrazoado. Naquele momento, não chorei de tristeza, mas, sim, de vergonha.

Foi quando então esta médica, muito gentil e compassiva, me contou uma história surpreendente. Ela havia trabalhado e estudado sobre os efeitos psicológicos da guerra, sobretudo em mulheres. Contou-me, então, que, ao início de seu trabalho, preparou-se para ouvir relatos de maldades e de abusos infinitos, além de perdas de laços familiares, principalmente com relação a seus próprios filhos. Avançando sobre o tema, porém, ela viu-se supreendida com o fato de que muitas mulheres, de forma clara e consciente, trouxeram a esse mesmo patamar de importância a frustração de jamais terem constituído suas próprias famílias e de não se sentirem amadas. Esta competente profissional, com isso, buscou acalmar-me e esclarecer-me que o sentir-se só não era uma leviandade ou uma futilidade. Antes, era algo relevante a ser validado.

Este episódio mudou minha vida. Na verdade, representou uma imensa libertação, porque, até então, eu me via obrigada a sentir-me feliz e satisfeita e, consequentemente, desautorizada de me sentir triste e de chorar.

Saiba então, minha amiga querida, que, se há algo parecido em você, todos esses sentimentos são válidos e devem ser respeitados por todos, incluindo você mesma. Não se esconda atrás da sombra da negação e nem na penumbra da sublimação. É claro que você deverá buscar sua própria felicidade, do jeito que der, mas nunca partindo de algo que não se mostre como absolutamente autêntico e verdadeiro.

Para aprender algo, é preciso conhecer a si mesma e reconhecer-se no estágio em que efetivamente estiver. Fazendo isso, você poderá ir avançando, com consciência e coerência, até alcançar a próxima etapa. Não é possível enganar-se eternamente.

Você merece, obviamente, buscar a validação de seus sonhos e das suas realizações. Mas, para isso, você deverá percorrer cada etapa até conseguir voar corretamente. E não se faz isto de uma hora para outra. É preciso tempo, esforço e dedicação. É preciso analisar, com sinceridade, o que há dentro de você e onde estão as suas dores. E um dia, quando menos esperar, você estará voando o voo mais belo que existe. Um voo conseguido com suas próprias asas e com seus olhos atentos. Um voo sem enganos. Um voo de integridade e da sua própria verdade.

DBM4

Foto: Emily Soto

 

 

 

 

 

Please follow and like us:
39